quarta-feira, 26 de março de 2014

Primeira Exortação do Papa Francisco




O Papa Francisco foi eleito pela revista LGBT mais importante do mundo, "The Advocate", como a personalidade do ano 2013. Dentre outras razões pesou sua declaração "Se alguém é gay e procura Deus com boa intenção, quem sou eu para julgá-lo?" Adiante, apresento trecho da sua primeira exortação, em que se percebe claramente a sua posição de autoridade máxima da Igreja Católica em relação a TODOS, SEM EXCLUSÕES.
(Marcelo Moraes Caetano)


Papa Francisco –

Exortação Apostólica EVANGELII GAUDIUM

sobre o ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ATUAL

Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa.

Todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a mesma fé, mas algumas delas são mais importantes por exprimir mais diretamente o coração do Evangelho. Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Neste sentido, o Concílio Vaticano II afirmou que «existe uma ordem ou ‘hierarquia’ das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente». Isto é válido tanto para os dogmas da fé como para o conjunto dos ensinamentos da Igreja, incluindo a doutrina moral.

São Tomás de Aquino ensinava que, também na mensagem moral da Igreja, há uma hierarquia nas virtudes e ações que delas procedem. Aqui o que conta é, antes de mais nada, «a fé que atua pelo amor» (Gal 5, 6). As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito: «O elemento principal da Nova Lei é a graça do Espírito Santo, que se manifesta através da fé que opera pelo amor». Por isso afirma que, relativamente ao agir exterior, a misericórdia é a maior de todas as virtudes: «Em si mesma, a misericórdia é a maior das virtudes; na realidade, compete-lhe debruçar-se sobre os outros e – o que mais conta – remediar as misérias alheias. Ora, isto é tarefa especialmente de quem é superior; é por isso que se diz que é próprio de Deus usar de misericórdia e é, sobretudo nisto, que se manifesta a sua omnipotência».

É importante tirar as consequências pastorais desta doutrina conciliar, que recolhe uma antiga convicção da Igreja. Antes de mais nada, deve-se dizer que, no anúncio do Evangelho, é necessário que haja uma proporção adequada. Esta reconhece-se na frequência com que se mencionam alguns temas e nas acentuações postas na pregação. Por exemplo, se um pároco, durante um ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente aquelas virtudes que deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus.

A pregação moral cristã não é uma ética estoica, é mais do que uma ascese, não é uma mera filosofia prática nem um catálogo de pecados e erros. O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos. Este convite não há de ser obscurecido em nenhuma circunstância! Todas as virtudes estão ao serviço desta resposta de amor. Se tal convite não refulge com vigor e fascínio, o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de cartas, sendo este o nosso pior perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o Evangelho, mas algumas acentuações doutrinais ou morais, que derivam de certas opções ideológicas. A mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter «o perfume do Evangelho».

A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências.

No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo e pelos Apóstolos ao povo de Deus «são pouquíssimos». E, citando Santo Agostinho, observava que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se devem exigir com moderação, «para não tornar pesada a vida aos fiéis» nem transformar a nossa religião numa escravidão, quando «a misericórdia de Deus quis que fosse livre». Esta advertência, feita há vários séculos, tem uma actualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios a considerar, quando se pensa numa reforma da Igreja e da sua pregação que permita realmente chegar a todos.

Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas.

Um coração missionário está consciente destas limitações, fazendo-se «fraco com os fracos (...) e tudo para todos» (1 Cor 9, 22). Nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez autodefensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.

PAPA FRANCISCO

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