quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Assim diz a Bíblia!


Por Toni Souza


Definitivamente, um dos temas mais polêmicos na contemporaneidade cristã é a Homossexualidade. Por isso, antes mesmo de escrever este, fui motivado pela curiosidade a consultar um dicionário bíblico com o propósito de obter informações referentes a este assunto e a Bíblia. E entre tantas coisas, dizia o verbete do dicionário:

Pessoa que se atrai sexualmente por pessoas de mesmo sexo. O comportamento homossexual é proibido nas Escrituras (Lv 20,13) e foi uma das principais causas do juízo divino contra Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) (YOUNGBLOOD, 2004, p 669 e 670).

Todo conceito traz consigo uma superficialidade, revelando-se em uma definição pobre e incapaz de comprovar uma inteireza. Observem que o significado a Homossexualidade é circunscrito numa atmosfera de negação e condenação, como se os homossexuais fossem “vítimas” de uma atração perigosa e funesta e condenatória.

Mas, “assim diz a Bíblia!” admitiram aqueles que não têm muita intimidade com as Escrituras. Porém, os fiéis cristãos não hesitariam em ‘engrossar o coro’ concordando com eles.

O fato é que apesar das constatações bíblicas carregarem uma névoa de verdade, há vários argumentos convergindo à Homossexualidade que dividem, inclusive, muitas denominações e pessoas religiosas. Isso, é claro, está muito relacionando a questão da interpretação dessas passagens.

Estudiosos da área afirmam que cerca de 15 textos bíblicos fundamentam essa discussão. O propósito aqui não é escrever um tratado de fé com todas suas páginas e citações, de modo, que valerá a pena recorrer à Bíblia para conferir as menções bíblicas na sua extensão e contexto. Cientes do objetivo deste artigo, façamos um passeio breve, por conseguinte, reflexivo por alguns recantos da Bíblia que são pertinentes a nossa conversa.

Comecemos pelo princípio de tudo: Gênesis. O livro da origem do mundo e da humanidade, oferece-nos duas narrações referentes ao mito da criação dos primeiros ancestrais de todos os povos que habitam o planeta (Gn 1,27-28 e 2,18-25). A partir desses trechos bíblicos, muitos discorreram sobre como deveriam se estabelecer às relações sexuais, afinal de contas, Deus havia criado Adão (HOMEM) para Eva (MULHER); logo, o diferente significaria ir de encontro aos desígnios de Deus.

A questão não é tão simples assim. Se formos estudar as demais mitologias, algumas até mais antigas do que a história mítica de Adão e Eva, como as africanas, de pronto perceberemos uma forte semelhança entre as mitologias. Algumas se assemelham por ter um deus supremo e criador ou pela cronologia temporal das demais criações e por fim, pela criação do homem que por estar cansado de viver sozinho ganha a companhia da mulher para ser uma idônea companheira e, fundidos “numa só carne”, pudessem cumprir a missão de serem fecundos e zelosos das coisas de Deus.

Deste modo, a união em casal de Adão e Eva representa o objetivo de multiplicar e exercer o domínio sobre a terra.

Prossigamos nossa viagem, ainda no mesmo livro dos Gênesis, mas por outros capítulos.

A história de Sodoma e Gomorra (Gn 19, 4-5, 12-13) é sobremaneira uma das mais intrigantes da Bíblia, pois traz em seu bojo uma mensagem para a religião cristã, bem como a humanidade. Em contrapartida, muitos têm feito uma interpretação equivocada. No início dessa conversa, recorremos à definição bíblica que entrelaçava o sentido da palavra Homossexualidade com o pecado de Sodoma e Gomorra, ou seja, como um pecado sexual. Mas, qual seria o verdadeiro pecado cometido por essas duas cidades?!

Conforme a leitura dos textos, é notório que Sodoma e Gomorra vivam embriagadas pela soberba e mesquinhez. Deus, vendo aquilo, enviou anjos à cidade, chegando lá foram surpreendidos por homens. É conveniente explicar que o termo ‘homens’, nesse contexto, sugere uma amplitude, ou seja, os anjos foram abordados por toda a população, (homens, mulheres, crianças e idosos) “sem exceção”. Sodoma ao invés de acolher os estrangeiros, ameaçou os visitantes atentando contra eles com todo tipo de abuso:

“Mas, antes que se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim todo o povo de todo o lado, e chamaram Ló e lhe disseram: onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles”, (Gênesis 19:4-5).

Para não incorrermos em imprudente interpretação e conseguirmos produzir uma boa exegese, será necessário estudar a presença dessa história em outros livros da Bíblia, como por exemplo: Isaías, Ezequiel, Amós, Sofonias, Lamentações, Deuteronômio, Mateus e Lucas. Vejamos a versão de Ezequiel: “Eis em que consistia a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: na voracidade com que comia o seu pão, na despreocupação tranqüila com que ela e suas filhas usufruíam os seus bens, enquanto não davam nenhum amparo ao pobre e ao indigente” (16, 49).

De acordo com Ezequiel 16, 49 podemos concluir que o verdadeiro pecado de Sodoma e Gomorra foi a falta de hospitalidade para com o próximo, pois tinham riquezas e alimentos em abundância, conforto e bem-estar, mas apesar disso não foram capazes de ajudar os mais pobres e os indigentes, transgredindo a aliança com Deus.

Jesus, demonstrando ser conhecedor da história do pecado de Sodoma e Gomorra usa o exemplo dessas cidades para fazer recomendações no envio dos seus apóstolos para a evangelização. Jesus no Evangelho de Mateus (10,12-15) adverte:

“Ao entrares na casa, saudai-a. Se, porém, não o for, tornem para vós outros a vossa paz. Se alguém não voz receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sair daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no dia do juízo, do que para aquela cidade”.

A interpretação coerente dessas passagens bíblicas perpassa pela prática de acolher o estrangeiro. Em Romanos 12, 13 o significado de ‘hospitalidade’ é o “amor de estrangeiro”. Já no Antigo Testamento, Abraão foi um generoso hospedeiro quando convidava para a intimidade de sua casa; oferecia comida e lavava os pés dos estrangeiros.

Assim sendo, antes de sairmos pregando em nossos templos, igrejas e púlpitos que o pecado de Sodoma e Gomorra era um pecado sexual, logo a ‘sodomia’ (perversão sexual, coito anal[1], pederastia), lembrem-se: toda forma de exclusão seja por cor, classe social, sexo, idade e orientação sexual configura-se como um abuso à pessoa humana. Aquele e aquela que ainda não aprendeu a acolher o diferente está cometendo um pecado abominável conforme os filhos de Sodoma e Gomorra.


Observação:

[1] COITO ANAL: “[...] Em primeiro lugar, nem todos os homens gays expressam sua relação sexual desta maneira, e lésbicas evidentemente não o podem. Em segundo lugar, muitos casais heterossexuais na verdade também usam esta forma de intimidade.” (BRASH, 1998, p. 60).

Referências:

BRASH, Alan A. Encarando nossas diferenças: as igrejas e seus membros homossexuais. Tradução de Walter O. Schlupp. – São Leopoldo: Sinodal, 1998.

SISTO, Celso. Mãe África: mitos, lendas, fábulas e contos. São Paulo: Editora Paulus.

YOUNGBLOOD, Ronald F.; co-editores F. F. Bruce & R. K. Harrison. Dicionário ilustrado da Bíblia. Tradução Lucília Marques Pereira da Silva. São Paulo: Vida Nova, 2004.


Sobre o autor



Toni Souza é baiano. Professor, Bacharel em Teologia, estudante de Serviço Social e especializando-se em Desenvolvimento Sustentável no Semi-árido.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom, Toni! Abordagem inteligente e com a abrangência necessária, quando se fala de histórias contadas por diferentes bocas ao longo dos séculos. Parabéns!