terça-feira, 3 de abril de 2012

Machismo, Misoginia e Homofobia: raízes do preconceito histórico contra homossexuais

Por Paulo Stekel


Iniciou-se a semana e eu ainda não decidira qual artigo publicar em Espiritualidade Inclusiva. Temos recebido muito material bom, e vamos publicando aos poucos. Contudo, um debate iniciado ontem pela manhã na página pessoal de Luiz Mott no Facebook (onde aparece a foto postada acima) me fez decidir pelo presente texto.

Há muito que queria escrever sobre as relações estreitas existentes entre o machismo, a misoginia e a homofobia, especialmente a voltada contra os homossexuais masculinos.

Em sua postagem intitulada “Quem inventou a busca e as mutilações genitais femininas?”, Luiz Mott respondeu: “Os machos!!! Donos das mulheres. Portanto, mulher que defende tais abusos machistas, são alienadas, estão perpetuando sua servidão. Não me venham com o blablablá do respeito ao relativismo, às culturas tribais, o escambau. Escravidão e fogueira para sodomitas também eram traços de muitas culturas do passado, e quem é maluco de defender tais barbaridades?! Direitos humanos, cidadania e igualdade para todas, já!”

Entre os comentários a tal postagem, temos:

Paulo Stekel: “Por mais que pareça forte e anti-cultural, a opinião de Luiz Mott é a mesma minha. A forma como as mulheres são tratadas no Oriente (incluindo a Índia) não é mera questão cultural. É sobreposição da figura masculina sobre a feminina. Se as mulheres pudessem contestar essas "tradições" sem irem para a forca, sem serem agredidas ou condenadas a prisão perpétua, aí sim eu poderia até considerar isso como algo meramente "cultural". Mas, não é. Colocar todos os descalabros do mundo na conta da cultura é uma atitude simplista e evasiva que só beneficia os algozes, nunca as vítimas. Salve as mulheres do mundo que sofrem nas mãos do machismo/patriarcalismo! Somo-me à luta delas porque desejo viver num mundo em que haja oportunidades iguais para todos e todas!”

Anna: “De forma alguma antropólogos sérios defendem barbáries. É para isso que existe toda uma discussão acerca dos direitos humanos.” [Luiz Mott é antropólogo.]

J. T.: “Acho que nesses lugares todos os homens são homo[ssexuai]s, porque acho que eles não gostam de mulher.”

Paulo Stekel: “J. T., não confunda "homens homossexuais" com "homens misóginos". São duas coisas completamente diferentes! Em geral, a misoginia é algo praticado por homens heterossexuais, não homossexuais. Os homossexuais, em sua maioria, enaltecem a figura da mulher.

M. D.: “Ah, Paulo, obrigada pela piada! Os piores são os homens gays! O legal é que também tem muito que reconhece isto.”

Paulo Stekel: “Não sei quais são os homens gays que você conhece, M. D. Os que eu conheço, em sua grande maioria, apoiam as mulheres, as defendem, elogiam, enaltecem e não as consideram inferiores aos homens. Isso é estatístico!”

Espiritualidade Inclusiva: “A misoginia (inferiorização da mulher) tem origem nos homens heterossexuais, sim. Tanto que o histórico preconceito dos homens contra os gays masculinos se vale da inferiorização da mulher para atacar os gays, dizendo que não são homens completos ou que são aberrações por parecerem mulheres que, para tais heterossexuais machistas, são inferiores ao homem. Então, misoginia e homofobia são preconceitos historicamente entrelaçados.”

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Para entendemos melhor como estes três tipos de preconceito – machismo, misoginia e homofobia – se entremeiam, temos que defini-los (fonte: Wikipédia):

Machismo: Também chamado de “chauvinismo masculino” (especialmente nos países de língua inglesa) é a crença de que os homens são superiores às mulheres. O “feminismo” não é, de forma alguma, o equivalente direto ao machismo, pois o primeiro apenas busca a igualdade de direitos entre homens e mulheres e a libertação das mulheres no tocante aos padrões e opressões da sociedade patriarcal.

Misoginia: É o ódio ou desprezo ao sexo feminino. A palavra vem do grego misos ("ódio") e gyné ("mulher"). É paralelo à misandria, o ódio para com o sexo masculino. Misoginia é o antônimo de filoginia, que é o apreço, admiração ou amor pelas mulheres. Diferenciando misoginia de machismo, a primeira se baseia no ódio ou desprezo pela mulher, enquanto o machismo constitui-se numa crença na inferioridade da mulher.

Para o sociólogo Allan G. Johnson, "a misoginia é uma atitude cultural de ódio às mulheres porque elas são femininas." Johnson argumentou que: "A [misoginia] é um aspecto central do preconceito sexista e ideológico, e, como tal, é uma base importante para a opressão de mulheres em sociedades dominadas pelo homem. A misoginia é manifesta em várias formas diferentes, de piadas, pornografia e violência ao auto-desprezo que as mulheres são ensinadas a sentir pelos seus corpos."

Michael Flood define a misoginia como o ódio às mulheres: "Embora mais comum em homens, a misoginia também existe e é praticada por mulheres contra outras mulheres ou mesmo elas próprias. A misoginia funciona como uma ideologia ou sistema de crença que tem acompanhado o patriarcado ou sociedades dominadas pelo homem por milhares de anos e continua colocando mulheres em posições subordinadas com acesso limitado ao poder e tomada de decisões. (...) Aristóteles sustentou que mulheres existem como deformidades naturais e homens imperfeitos (...) Desde então, as mulheres em culturas Ocidentais tem internalizado seu papel como bodes expiatórios da sociedade, influenciadas no século 21 pela objetificação das mesmas pela mídia com seu auto-desprezo culturalmente sancionado e fixações em cirurgia plástica, anorexia e bulimia."

Homofobia: Neologismo criado pelo psicólogo George Weinberg, em 1971, homofobia, de homo (pseudoprefixo de homossexual) e fobia (do grego “fóbos”, "medo", "aversão irreprimível") é uma série de atitudes e sentimentos negativos em relação a LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais, etc.). Nas várias definições correntes sobre o termo encontramos desde as mais brandas (antipatia, desprezo, preconceito, aversão, medo irracional) até as mais críticas (comportamento hostil, discriminatório e violento com base em uma percepção de orientação não-heterossexual). Etimologicamente, o termo mais aceitável para a ideia expressa seria "Homofilofóbico", que é medo de quem gosta do igual. Em um discurso de 1998, a autora, ativista e líder dos direitos civis, Coretta Scott King, declarou: "A homofobia é como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância na medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a sua humanidade, dignidade e personalidade." Em 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos.

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Pois bem, o machismo tem relação com o patriarcalismo. Várias são as religiões de origem patriarcal, mas as que manifestam influência maior no mundo contemporâneo são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, as chamadas “religiões abraâmicas”. Para estas religiões, os consensos são todos favoráveis ao homem: a criação do homem antes da mulher, apesar de, biologicamente, ser ela a geradora (?); o pecado no Paraíso e a posterior expulsão como um ato culposo da “curiosidade insubordinada” de Eva, a primeira mulher; a apresentação da mulher como moralmente fraca, dada a atos libidinosos e a manifestar sua opinião de modo intriguento; a negação da inteligência feminina em pé de igualdade com o homem. Estes são apenas alguns exemplos.

Se fôssemos seguir à risca as determinações bíblicas de Deuteronômio (algo que os muçulmanos mais radicais assim o fazem!), as mulheres cristãs não poderiam sair à rua sem véu, não poderiam andar à frente dos maridos, não poderiam sequer abrir a boca para dar opinião própria e muito menos contestar a “sabedoria” masculina soberana. No Cristianismo católico, não esqueçamos, até hoje a mulher não pode ser sacerdote, embora já haja pastoras e missionárias no Cristianismo Protestante há muito tempo! Como explicar tais discrepâncias, senão através de um machismo que insiste em se fazer valer? Até a Maçonaria possui ordens exclusivamente masculinas, e suas justificativas são praticamente as mesmas da Igreja Católica. Abismante! Felizmente, as Lojas Mistas (que aceitam homens e mulheres) vieram corrigir este absurdo do mesmo modo que as Igrejas Protestantes.

Tudo isso advém de uma ideia muito antiga, porém sem qualquer base científica, de que a mulher é inferior ao homem, moralmente fraca e pouco inteligente. As religiões abraâmicas argumentam que Eva, a primeira mulher, foi criada após o homem e a partir deste. Então, se seria uma serva e não poderia sobrepor-se a ele. Além disso, sua participação no episódio da Árvore do Conhecimento granjeou-lhe fama de ardilosa, curiosa e intrometida. A determinação natural da mulher parece ter causado desde os primeiros tempos um medo, um pavor terrível nos homens, que viam nisso ameaçada sua liderança e força de coesão da tribo. As inúmeras sociedades matriarcais comprovam o contrário.

Na Idade Média a mulher não tinha direito a uma alma. Então, como poderia ser salva, sem uma alma? Por beneplácito papal e para evitar a contradição óbvia, a existência da alma feminina foi reconhecida, ainda que tardiamente, para vergonha da humanidade...

A homofobia histórica, especialmente contra os gays masculinos, se insere exatamente neste quadro de inferiorização da mulher. Ao perceber em muitos homossexuais a tendência a um comportamento mais feminino, indo do sutil ao travestismo, os religiosos de praticamente todas as religiões teístas viram ali uma inferiorização do homem. Por isso, até hoje se ofende gays efeminados com expressões delicadas e que remetem ao universo feminino como “mulherzinha”, “frutinha”, “bichinha”, “bibinha”, etc. Estas ofensas se entranharam de tal forma em nossa cultura que até a mais “inocente” e não-preconceituosa das pessoas por vezes se pega utilizando tais termos de modo automático, como nas brincadeiras entre meninos e rapazes heterossexuais, sem sequer perceberem o que estão manifestando. Aprenderam culturalmente, desde a mais tenra idade, a manifestar ojeriza por atitudes femininas em homens, já que, como dissemos, isso remete em nosso inconsciente coletivo masculino à ideia da inferioridade do sexo feminino. E, nenhum homem “macho” quer ser comparado a uma mulher... Quanta ignorância!

A prova do que dizemos está no fato de que, quando um homossexual masculino não se mostra efeminado, ao saber de sua orientação, as pessoas em geral se surpreendem, pois foram educadas a associar homossexualidade masculina a “feminilidade”, afetação e “bichice”. Desconsiderando os gays enrustidos, escondidos no armário, há, sim, muitos homens homossexuais que naturalmente não apresentam qualquer afetação. Não há qualquer relação intrínseca entre afetação e homossexualidade. Mas, também não há nada de errado seja em ser um gay efeminado ou um gay não-efeminado. São características individuais que não devem ser confundidas com a orientação sexual. O mesmo vale para a suposta “masculinidade” das lésbicas.

O mundo religioso fundamentalista não consegue trabalhar bem com situações de gênero e de orientação sexual não-heterossexuais. Para a maioria dos fanáticos, ou se está entre os homens ou entre as mulheres, seja em características físicas, biológicas, orientação e direcionamento da afetividade. Para eles, não há meio termo (ai dos bissexuais!)... Talvez, por isso o Irã seja o país do mundo que mais paga cirurgias de adequação de gênero, especialmente a de gênero masculino para feminino. Afinal, ao permitir isso, a sociedade medieval iraniana deixa de se sentir desconfortável com a existência de pessoas que não se sentem adequadas em seus corpos originais e pode jogar a polêmica para debaixo do tapete. Para os transexuais, uma ótima situação. Mas, para os homossexuais que não querem mudar de gênero e mesmo assim relacionar-se com o mesmo sexo, o problema se agrava, pois o Irã é, paradoxalmente, o país do mundo que mais enforca e apedreja gays e lésbicas em via pública. Ou seja, ao recusarem-se a colocar-se compartimentados no status de gênero ditado pela heteronormatividade, são punidos como se culpados fossem por algo que lhes acompanha na essência desde a mais infância, pelo menos.

Por isso, digo que a luta contra o machismo e a misoginia também são lutas contra a homofobia e vice-versa, pois no inconsciente coletivo de nossa sociedade miso-homofóbica moderna tudo existe de modo interdependente: o homem é superior, a mulher deve ser desprezada e os não-heterossexuais são como as mulheres, ou seja, inferiores e desprezíveis.

Está na hora de mudarmos este quadro! Muitos gays masculinos, como disse no começo, enaltecem a imagem feminina, e isso deve irritar muito o inconsciente machista/misógino. Talvez, seja este o motivo dos crimes homofóbicos contra travestis, transexuais e gays efeminados serem tão cruéis, com desfiguração da face, castração e desmembramento do corpo. Sem uma re-educação da sociedade não é possível mudar esta situação para as próximas gerações. Quando tivermos uma lei anti-homofobia aprovada e uma reavaliação dos currículos escolares, incluindo educação para a diversidade, a violência vai diminuir. Talvez, devagar, mas vai diminuir. Para tal continuaremos lutando!

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