quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Quero ser um yorkshire!

Por Paulo Stekel


Exatamente! Quero ser um yorkshire porque, como gay, não consigo que se tenha por mim ou meus iguais o mesmo sentimento de emoção fleumática, misto de indignação, pena e desencargo de consciência que se viu há algumas semanas no caso do yorkshire espancado até à morte pela enfermeira Camilla Corrêa na cidade de Formosa, cidade goiana no entorno do Distrito Federal. Muitos gays são espancados todos os anos, mortos com requintes de crueldade, e não só não vemos tal movimentação indignada, como ainda temos que suportar os fundamentalistas religiosos culpando as vítimas por serem gays, incitando ainda mais a brutal violência anti-gay.

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter mais de 328 mil pessoas assinando uma petição pública contra meu agressor – um buzz sem precedentes -, pedindo sua prisão, multa e os mais exaltados, até sua morte! Como gay agredido, além de outros gays, quem mais assinaria em meu favor?

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter um forte aparato de defesa – a sociedade protetora dos animais – , formada por uma militância implacável que se mobiliza em todas as mídias com uma velocidade impressionante e se valendo de argumentos radicais e, por vezes, até chocantes, como o de uma militante que disse: “Prefiro ajudar um cachorro faminto na rua do que dar de comer a um pivete nas esquinas”. Quem preferiria ajudar um gay numa situação extrema?

Quero ser um yorkshire porque assim posso me sentir vingado quando o perfil de meu agressor nas redes sociais é alvejado com todo tipo de trollagem, discurso de ódio, indignação e ofensas por pessoas comuns que se consideram sérias, honestas, pagadoras de impostos e cumpridoras de seus deveres de cidadãs. Como gay, eu é quem sou o trollado!

Quero ser um yorkshire porque, se meu dono não conseguir me matar, e os que amam animais me resgatarem, serei criado num lar feliz onde todos consideram meu passado de sofrimento como determinante na hora de me verem como um ser digno de amor e de afeto. O passado de sofrimento de um gay não tem o mesmo peso, pois os fanáticos julgam que ele sofre porque decidiu ser como é, desconsiderando que nasceu assim...

Quero ser um yorkshire porque assim posso ter a sorte de alguém gravar um vídeo com as agressões sofridas por mim, postar o conteúdo em websites como o youtube, sendo assistido por milhões de pessoas e incitando a opinião pública a exigir do agressor a pena máxima e até a não devida.

Quero ser um yorkshire porque, por mais que meu agressor me bata e depois diga que foi um simples estresse e que, na verdade, ama os animais, ninguém acreditará nele, baixando a lenha em seus argumentos insanos. Como gay, quando fanáticos religiosos ou políticos homofóbicos incitam a violência em seus discursos, mas dizem que amam os gays como seres humanos, e que apenas foram muito intensos em suas palavras, pois defendiam a família, a moral e os bons costumes, fica tudo por isso mesmo.

Enfim, quero ser um yorkshire porque, neste caso, sendo um animal, pequeno, fofinho, sem poder falar, me expressar ou me defender, há quem defenda meus direitos e até adivinhe o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo. Que bom que existem pessoas sensíveis assim! Porém, como gay, poucos são os que defendem meus direitos fundamentais, os que sequer imaginam o que sinto, o quanto sofro e a felicidade que almejo... embora seja fácil deduzir, já que meu coração bate do mesmo modo que o de todos os seres humanos... e é quase igual ao do yorkshire: um coração vivo!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Enfim, existimos!

Por Paulo Stekel (texto publicado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2011/05/06/enfim-existimos)

Como alguém pode duvidar disso? Como alguém pode dizer que não existimos, que não temos direitos iguais e, contraditoriamente, atacar-nos com uma Bíblia na mão? Sim, existimos, e – com a permissão do velho lobo, Zagallo – vão ter que nos engolir!

Os dias 04 e 05 de maio de 2011 foram os mais importantes para a comunidade LGBT até aqui. Ao analisar duas ações, uma proposta pela Procuradoria-Geral da República e outra pelo governo do estado do Rio de Janeiro, em votação unânime (10X0), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável homoafetiva, ou seja, entre casais do mesmo sexo como sendo uma entidade familiar.

A “entidade familiar”

Até agora, apenas três tipos de entidade familiar eram reconhecidas em juízo: o casal heterossexual no casamento civil, o casal heterossexual em união estável e a pessoa solteira (qualquer dos pais e seus descendentes). No primeiro caso, bastava o casamento civil entre um homem e uma mulher; no segundo, bastava a união estável (isto é, sem o casamento civil) entre um homem e uma mulher; no terceiro caso, bastava que um homem ou uma mulher fossem pais para pleitear direitos de família mesmo sem estarem casados ou sequer em união estável. O que o STF reconheceu em 05 de maio é que quando duas pessoas do mesmo sexo vivem em união estável, isso também é uma entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres incidentes sobre a união estável entre heterossexuais. Isso criou um precedente que aos poucos será seguido pelas demais instâncias judiciais e também pela administração pública.

O número de pessoas que serão beneficiadas com esta conquista de mais cidadania ainda é indefinido, apesar do Censo Demográfico 2010 ter apontado que o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais vivendo em união estável homoafetiva. Se considerarmos que muitos casais não manifestaram publicamente sua condição por vários motivos, esse número pode ser muito maior, na realidade. Mas, a decisão atual abre caminho para a aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, que é direito garantido a casais em união estável no art. 226 da Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

União estável não é casamento civil!

Acompanhei pela imprensa toda a votação no STF e a reação da comunidade LGBT pelas redes sociais, em especial o Twitter, por sua resposta rápida. O que percebi foi uma generalizada confusão entre união estável e casamento civil de parte da comunidade LGBT. Mas, consultando a lei, a diferença é clara! A união estável acontece sem quaisquer formalidades, naturalmente, a partir da convivência do casal que forma uma “família espontânea” (no entender do ministro do STF, Luiz Fux), isto é, sem a necessidade de aprovação de um juiz ou um sacerdote. Tanto é assim, que após uma separação, há que se comprovar a união estável para que esta gere direitos e obrigações a ambas as partes (direitos sobre filhos, pensão alimentícia, etc). Já o casamento civil é um contrato jurídico formal estabelecido entre duas pessoas, até o momento, de sexos opostos. Não é isso que o STF reconheceu para pessoas do mesmo sexo, e sim, a união estável, ao contrário da Argentina, que em julho de 2010 se tornou o primeiro país da América Latina a autorizar gays a se casarem e a adotarem filhos.

O que o STF decidiu foi simplesmente o reconhecimento da união estável gay como entidade familiar. Esse reconhecimento para a servir como recomendação em instâncias jurídicas para que casais gays passem a ter os mesmos direitos de heterossexuais em união estável, apesar da ressalva do ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski: “Entendo que uniões de pessoas do mesmo sexo, que se projetam no tempo e ostentam a marca da publicidade, devem ser reconhecidas pelo direito, pois dos fatos nasce o direito. Creio que se está diante de outra unidade familiar distinta das que caracterizam uniões estáveis heterossexuais”. Neste caso, teríamos uma quarta entidade familiar: a formada pela união estável homoafetiva. Mas, se for assim, quando o casamento civil for aprovado, teremos uma quinta entidade familiar formada por duas pessoas em casamento civil homoafetivo? São respostas que serão dadas ao longo do tempo e conforme as decisões dos magistrados caso a caso, à medida que a comunidade LGBT for atrás de seus direitos.

Uma dúvida que percebi nas redes sociais é sobre como garantir o reconhecimento da união estável a partir da decisão do STF. Antes mesmo dela os casais homoafetivos já podiam registrar a união em cartório. Mas, até então, tratava-se de um contrato que definia há quanto tempo o casal estava em união estável, como seria a divisão de bens, etc. Ou seja, a relação era considerada um “regime de sociedade”, não uma entidade familiar. Então, não se previa “separação”, mas algo equivalente a uma “quebra de sociedade”. (Eu e meu companheiro assinamos este contrato em dezembro de 2007 e, recentemente, ele foi aceito pela Caixa Econômica Federal num financiamento para casa própria como parte da comprovação de renda conjunta.) Agora, a regulamentação virá com o tempo, mudando o status de “regime de sociedade entre duas pessoas do mesmo sexo” (regido pelo Código Civil) para “união estável homoafetiva” (regida pelo Direito de Família). Mas até que isso ocorra, os casais homoafetivos vão continuar tendo que recorrer à Justiça para obter seus direitos. O bom é que, a partir de agora, as decisões tenderão a ser mais rápidas, favoráveis e homogêneas.

Direitos que passam a ser garantidos

Mas, o maior interesse da comunidade LGBT está em saber quais direitos passam a ser garantidos ou, melhor, pleiteáveis em juízo, em casos de ação de reconhecimento de união estável que devem, a nosso ver, transcorrer de modo semelhante às ações do mesmo tipo entre casais heterossexuais. São centenas de direitos, alguns mais importantes, e que devem ser destacados.

Um deles é a declaração da união em regime de comunhão parcial de bens (o direito incide sobre o que se conquistou em conjunto após o início da união estável). Outro, é o direito a pensão alimentícia em caso de separação judicial, além de pensões do INSS que, aliás, já são concedidas para os companheiros gays de pessoas falecidas – a decisão do STF apenas dá mais respaldo jurídico. Os planos de saúde ou familiares não poderão se negar em aceitar, nem mesmo em juízo, parceiros gays como dependentes, apesar da maioria deles já possibilitar esta prática. A Receita Federal também já aceita que os homoafetivos declarem seus companheiros como dependentes. As políticas públicas deverão incluir os casais homoafetivos, e não de forma modesta, como ocorre.

Um dos direitos que consideramos mais importantes como consequência da decisão do STF é o de sucessão. Já vimos muitos casos de casais gays em que, ao morrer um dos companheiros, o outro ficou sem nada, pois os bens adquiridos em conjunto passaram à tutela da família do falecido. Isso deve mudar, felizmente.

Outro direito importantíssimo, mas que cabe entender bem, é o de adoção. A lei tem permitido a gays a adoção, mas sabemos que sempre se dá preferência a casais heterossexuais (tanto em casamento civil como união estável). Com a decisão do STF, reconhecendo a união estável homoafetiva como unidade familiar, as decisões favoráveis serão facilitadas em grande medida.

Enfim, a existência…

Existir é a primeira condição para ser visto. Sem existência, sem visibilidade. Falamos “existência” no sentido jurídico e social. Se a sociedade nega (moralmente falando) nossa existência, e a lei a acompanha, ficamos num vazio total. Não somos visíveis nem para a sociedade (o costume), nem para a lei, nem para a religião…

Mas, os tempos estão mudando. A sociedade já sabe de nós, nos vê e, em boa medida, nos apoia. A lei começou a ratificar-nos, finalmente. Mas, a religião, especialmente a ala fundamentalista cristã, esta é um jogo-duro… O catolicismo e o neopentecostalismo pregam um discurso confuso, hipócrita e contraditório de “amamos os gays mas não aceitamos suas práticas”. Não são práticas, são vivências! Prática tem menor implicação que vivência, pois esta última advém da essência do ser. E, o ser gay é algo intrinsecamente conectado à vontade natural do ser que assim nasceu. Há uma vida gay (pois se nasceu assim) muito mais que uma prática gay! Práticas homossexuais são comuns em instituições prisionais, mas não constituem, necessariamente, uma vida homossexual, salvo nos casos em que o sentir-se homossexual esteja intrinsecamente ligado à alma do ser. Mesmo porque, no caso das prisões, as práticas homossexuais se inserem muito mais na classificação do estupro (como forma de humilhação) ou da ausência de sexo oposto (diante dos imperativos fisiológicos) do que na orientação homossexual de fato, esta sim, baseada no sentir atração pelo mesmo sexo como algo constante e não transitório.
A lei reconheceu que existimos. Se existimos, somos tutelados pela lei do país em que vivemos e, neste caso, temos direitos e deveres, dos fundamentais aos últimos. E, os queremos todos! Só assim seremos cidadãos plenos e não cidadãos de segunda classe num país laico, como já escrevi em outro artigo. Se a religião não nos quer reconhecer como existindo e tendo direitos de cidadania, abdique de ter-nos como seus fiéis agindo segundo suas normas ultrapassadas e sufocantes do ser. Invocar regras deuteronômicas do Antigo Testamento para validar determinados preconceitos, esquecendo de aplicar outras, por simples conveniência, é de uma hipocrisia, má-intenção e manipulação tal que envergonha qualquer Deus por acaso existente… E, mesmo Deus sabe que existimos, pois, se nos criou como somos, não será Ele a negar-nos… antes, justifica-se através de nós e desvela aos olhos do mundo que seus auto-declarados porta-vozes não passam de vendilhões do Templo!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[Notícia] Justiça manda prender pastor e jovem que atacaram umbandistas / de Globo

Sérgio Meirelles - Extra

RIO - As primeiras prisões no país por crime de intolerância religiosa ocorreram no Rio. Afonso Henrique Alves Lobato, de 26 anos, e Tupirani da Hora Lores, de 43, membro e pastor, respectivamente, da Igreja Geração Jesus Cristo, localizada no Morro do Pinto, Zona Portuária do Rio, foram presos nesta sexta-feira por policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI). A juíza Maria Elisa Peixoto Lubanco, da 20 Vara Criminal, decretou a prisão preventiva dos dois acusados (assista às imagens da prisão) .

Em março deste ano, com o consentimento do pastor Tupirani, Afonso Henrique divulgou na internet um vídeo em que faz ofensas às religiões afro-brasileiras, às polícias Civil e Militar e à imprensa. No mesmo vídeo, Afonso Henrique diz que todo pai-de-santo é homossexual. O jovem e outros três seguidores da Igreja Geração Jesus Cristo invadiram e depredaram, em junho do ano passado, o Centro Espírita Cruz de Oxalá, no Catete. Os quatro foram presos e condenados a pagar cestas básicas.

O beijo proibido do “amor que não ousa dizer o nome”

Por Paulo Stekel (artigo originalmente publicado em http://gayexpression.wordpress.com/2011/03/01/o-beijo-proibido-do-%E2%80%9Camor-que-nao-ousa-dizer-o-nome%E2%80%9D/)

Quem não conhece a famosa frase do polêmico escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) que define o amor entre pessoas do mesmo sexo como “o amor que não ousa dizer o nome”? Em Wilde, quase tudo é audacioso, desde suas comédias, textos para crianças (sim, ele fez isso!) até seu autobiográfico “De Profundis”, publicado em versão completa mais de 70 anos após sua morte. Para muitos, um dos primeiros ícones homossexuais a inspirar os modernos movimentos LGBTs, ainda que tenha travado uma luta muito particular contra o preconceito, não uma luta articulada, como a que travamos hoje. Wilde viveu sua homossexualidade intensamente numa época em que isso era crime, e teve que arcar com as consequências de “amar o igual” em plena era das trevas da Londres de 1895. Ficou preso por dois anos e, por conta disso, teve sua saúde, vida financeira e até produção intelectual prejudicadas.


Wilde vinha de família protestante, o que, com certeza, lhe aumentou a pressão por causa de sua orientação sexual. Os protestantes, em geral, são muito mais radicais que os católicos no que tange ao sexo não-reprodutivo e, em especial, à homossexualidade. Ainda hoje é assim, e, se pudessem, todos nós estaríamos presos como Oscar Wilde, privados de nossos direitos fundamentais. Aliás, é o que intentam na surdina os pastores evangélicos fanáticos e mesmo alguns setores fundamentalistas do catolicismo.

Esses fanáticos querem negar-nos o direito mais consensual do amor entre dois seres: o beijo apaixonado em público. Todos sabemos que na televisão brasileira o beijo gay é um tabu absurdamente hipócrita. Novelas em horário nobre apresentam a um público indiscriminado as maiores baixarias sexuais, extra-conjugais e violência sado-masoquista sem o mínimo murmúrio dos que se auto-intitulam “baluartes da moral e dos bons costumes”, mas sequer apresentam um “selinho gay”, pois isso acabaria com a “demonização” das relações homoafetivas perante a sociedade brasileira, derrubando o cavalo de batalha caquético das “frentes cristãs” abertamente anti-gays. Na verdade, o beijo proibido, o beijo gay, se tornado frequente na televisão, e do modo correto, acabaria com o bicho-de-sete-cabeças na cabeça dos brasileiros, que possuem uma visão equivocada do universo homoafetivo. É um medo inconsciente de sabe-se lá o que a atormentar a mente de quem foi educado dentro de uma norma imposta por um costume que não é de todos. Se não é de todos, há de se dar voz ao diverso.
Recordo a primeira vez que dei o “beijo proibido” em plena rua, em Santa Maria, no interior do RS, lá pelos idos de 1995, ao sair de uma festa. Não esqueço da reação de um popular que passava e ia proferindo impropérios ladeira abaixo. Se fosse na Avenida Paulista, a coisa seria mais séria…

Dez anos depois, em 2005, repeti a cena em um shopping de Brasília, e a reação foi mais amistosa. Mereci até um ok e um sorriso de um atendente de empresa de celulares que assistia a tudo de um quiosque no centro do shopping. (Não, não sei se ele era gay ou apenas “simpatizante”. Rsrs.)

O fato é que, por mais que uma boa parcela da sociedade pareça hoje mais “tolerante” ao beijo gay em público, sempre se encontra aqueles “machões carentes de auto-afirmação” que só conseguem sentir virilidade batendo em quem pensam ser menos viris que eles, o que, me permitam esclarecer, nem sempre é a verdade dos fatos…

A grosso modo, eu divido os homofóbicos masculinos em três classes: os enrustidos (engaiolados em uma orientação sexual que não quer se revelar por conta da pressão do meio social em que vivem, o que os leva a “exorcizar” seus demônios sexuais através da violência contra quem demonstra claramente sua orientação), os fanáticos religiosos (que seguem de modo cego e medieval uma interpretação bíblica não conectada à realidade do mundo moderno, propagada por sacerdotes hipócritas que chegam ao cúmulo de associar homossexualidade com pedofilia) e os misóginos (sim, os misóginos, aqueles homens que, mesmo sendo heterossexuais, tem “nojo” das mulheres, as consideram seres inferiores ao homem e sua propriedade meramente reprodutiva; então, associando a homossexualidade ao feminino, o asco contra gays é duplicado).

Quanto às mulheres, a homofobia é bem menor por conta do preconceito que elas mesmo sofreram por milênios (e, ainda sofrem) sob a tutela de seus “senhores”. Vejo aí a explicação para gays masculinos possuírem muito mais amigas que amigos. As mulheres entendem melhor quem sofre preconceito porque elas mesmas o sofrem em muitas circunstâncias e lugares, por mais que nossa sociedade tenha evoluído no tocante aos direitos femininos. Podemos, então, concluir que gays masculinos não são misóginos, não consideram a mulher como inferior a eles, mas como uma referência de beleza, força, coragem e devoção, ou um misto de tudo isso. Não há qualquer relação de submissão, de superioridade ou de inferioridade, entre um gay masculino e uma amiga mulher, seja ela heterossexual ou lésbica. Tanto que Oscar Wilde escreveu: “As mulheres existem para que as amemos, e não para que as compreendamos.” Amar é a suprema aceitação…, pois, para Wilde, “amar é ultrapassarmo-nos”.

Ao elencar esses tipos masculinos de homofóbicos, pessoas que conseguem em público até sorrir para gays, mas que em circunstâncias outras lhes desferem tapas, socos e pontapés, me recordo das palavras de Oscar Wilde em “De Profundis”: “Por detrás da alegria e do riso, pode haver um temperamento vulgar, duro e insensível. Mas, por detrás do sofrimento, há sempre sofrimento. Ao contrário do prazer, a dor não usa máscara.”
E, não usa mesmo! A dor é evidente, é feroz, se instala e não apresenta opções: ou você a enfrenta, ou a enfrenta. Não cabem máscaras nessa luta. Então, em geral, gays falam o que pensam sem dó nem piedade. A dor lhes ensinou a “encurtar o caminho para a salvação” (desculpem, mas não resisti!): a verdade, o discurso direto sem hipocrisia, o saber “se virar” para sobreviver, a coragem para dar a cara a tapa… Afinal, não dizem que “A Verdade vos libertará”? Se existe um Deus, Ele deve se agradar dessa autenticidade, não da hipocrisia dos religiosos que se consideram salvos e que se utilizam da mentira o tempo todo para impedir que tenhamos direitos reconhecidos.

O que pensar, por exemplo, de um senador (diga-se, Magno Malta – PR/ES, pastor evangélico) que maldosamente tenta vincular a homossexualidade à pedofilia? As estatísticas não mentem: a maior parte dos pedófilos são homens heterossexuais! Nada mais lógico, uma vez que os gays são só cerca de 10% das pessoas. Ao dizer que, se aprovado o Projeto de Lei 122 (PLC/122) que criminaliza a homofobia, um pedófilo poderia alegar que “sua orientação sexual é transar com crianças”, o senador demonstra total desconhecimento do Direito e despreparo ao lidar com direitos civis. Na verdade, o que existe é má intenção pura de natureza religiosa!

E, nós, como podemos fazer frente a noções bizarras e mal-intencionadas como a deste pastor-senador e símiles malafaias que se locupletam em seus templos não taxados pelo Brasil afora? Dentro da lei podemos protestar, e o “beijaço” é uma das formas mais interessantes. Usar o “beijo proibido” para tornar evidente “o amor que não ousa dizer o nome” é uma forma pacífica e eficaz de preencher a lacuna que a mídia insiste em deixar vazia.
Pessoas que confundem o beijo gay com promiscuidade demonstram uma ignorância tal que não merece resposta. A promiscuidade existe nas relações humanas, sejam heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Aliás, a quantidade de maridos heterossexuais com suas amantes, algo que está presente em 100% das novelas e séries brasileiras, é a prova de que a promiscuidade é um evento, por dizer assim, democratizado em nossa sociedade, uma espécie de vício social aceitável, qual o “beber moderadamente” ou “socialmente”.

As relações afetivas gays não duram menos que as heterossexuais, e já há pesquisas demonstrando isso. O problema é que a mídia só mostra dos gays a “banda podre” ou o “circo de micos amestrados”. Me refiro à prostituição, aos excessos e aos gays caricatos em programas de humor. Contudo, a prostituição é uma instituição heterossexual praticamente universal! Não foram os gays que a inventaram! E, nos gays caricatos, há um “realce” do comportamento efeminado e do humor que agrada a uns e desagrada a outros. Sem problemas, há espaço para todas as tribos! Mas, querer definir todo o universo gay por uma parcela, com vistas a denegrir o todo, é uma tática “que não é de Deus” (desculpem, não resisti novamente)!

Está chegando a hora do “amor que não ousa dizer o nome” dizê-lo em voz alta, com todas as letras e exigir seus direitos até a última linha da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Constituição Federal. Não seremos encarcerados como o foi Oscar Wilde, a não ser que moremos em algum país islâmico, onde até assassinados sumariamente podemos ser. Então, saiamos às ruas e vamos exigir nossos direitos sociais todos, sem exceção. Temos que evidenciar todo o nosso descontentamento à sociedade. Lembremos do que escreveu Wilde:

O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação.”

A (covarde) face do preconceito sem argumentos

Nosso blogue mal foi criado, e já está incomodando aqueles preconceituosos fundamentalistas, pseudocristãos sem escrúpulos, capazes de tudo para impôr a todos sua visão fechada do que seja a dignidade e os direitos básicos de um ser humano.
Temos recebido emails de fanáticos - católicos, evangélicos - com palavras impublicáveis aqui. São pessoas que, paradoxalmente, dizem seguir in totum o que a Bíblia manda, mas que não possuem um mínimo de educação e capacidade argumentativa quando querer fazer valer seus pontos de vista.

Nosso blogue, inclusive, quase foi deletado por conta de uma invasão. Não fossem as medidas de segurança que tomamos, isso teria ocorrido. Mas, caso ocorra, esse blogue será recriado quantas vezes forem necessárias.

Somente para dar a vocês uma medida do que tem sido recebido pelo editor, reproduzirei alguns trechos de um email recebido ontem. Quem assina é uma pessoa de nome "Cristiano", que se considera o summum bonum do Cristianismo. Vamos aos trechos (palavras indizíveis foram censuradas):


"Paulo, (...) não me venha com essa de dizer sobre espiritualidade como se enfiar o p. no c. de um homem ou levar uma p. de outro fosse coisa que casa com a espiritualidade plena. Amarmos e admirarmos pessoas do mesmo sexo de fato não é pecado, é um ato de qualquer filho de Deus, mas você vem com esse disfarce de espiritualidade enquanto vocês só falam de estupro como prazer, se rebaixam às manipulações dos comunistas cujas comunistas como Lula, Dirceu e Marta não submetem os filhos e os netos deles... já os viu levar seus filhos e netos à parada gay? E a Marta que quis atacar o Kassab ao acusá-lo de estranho por não ser casado? E o Kassab dá dinheiro para a p. da parada gay e proibe a demonstração de orgulho de ser um ser humano normal, homem agindo como homem e mulher agindo como mulher. Não percebe que essa gente do poder quer tratar todo mundo na mais literal maneira do “que o povo se f.”?


Se vocês entendessem de espiritualidade, aprenderiam o que Deus ensina e determina. Deus não mandou o povo se estuprar, a propósito, há provas materiais do que aconteceu com Sodoma e Gomorra. A Bíblia em si não é uma invenção dos homens, mas uma narração de testemunhos, e várias delas são narrações com inspirações do Espírito Santo.


Quero dizer que espiritualidade é essa – só se for de porcos – que vocês têm ao se submeter ao deboche dessa gente comunista que quer – como manda o manual de implantação do comunismo – submeter os temedores a Deus ao deboche de satanás ao impor leis que submetam-os à altíssima tributação que fomentará a tomada do poder dessa corja que submeterá os temedores a Deus a obedecer os narcotraficantes, os terroristas, os estupradores, os homossexuais, inclusive os pedófilos. Está aí a movimentação.


Se vocês de fato acreditassem em Deus AO INVÉS DE FINGIR BOA MOCICE PARA NOS ENGANAR, vocês não viveriam em orgias, não ficariam levando mensagens de corrupção para transformar adolescentes em michêzinhos em antros chamados de “navios negreiros.” Vocês são pessoas da pá-virada e sentem-se fortalecidos por receber dinheiro desse governo de satanistas para fomentar a farra de vocês, e daí vocês fazem todo o teatro de pseudo-maioria barulhenta com faces e bocas para dissimular que vocês estão atacados, sendo que, os que manipulam e sustentam a farra imunda de vocês, é quem está/estão a nos perseguir. A pior coisa do diabo e aqueles do diabo não é a maldade, mas é a falta de coragem de assumir a maldade que está a fazer.


Meu caro, não é com um cajado no c. que se exercita a espiritualidade humana para cima, mas sim, condená-la aos aposentos debaixo.

(...) E não pense que vocês estupradores sustentados pelo dinheiro que a corja narcoterrorista do PT paga com o nosso dinheiro que vocês vão vencer essa, porque não vai ter batalhão do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Força Nacional, da PM, da PC, da PF que vai conter 180 milhões de Brasileiros. Nós não vamos submeter ao deboche de vocês porque vocês estupradores, narcotraficantes, terroristas, ladrões, pedófilos, satanistas, inversionistas do cão, estão no poder, porque nós podemos até pagar a vocês para cumprir com a manutenção do Estado, mas nós vamos cobrar a conta com juros e correções devidos!

(...) Muito sinceramente,

Cristiano"

Como se pode perceber, além de fundamentalista cristão, esta pessoa é anti-comunista, anti-PT e parece conhecer bem o livro de cunho nazista "Os Protocolos dos Sábios de Sião". Além disso, esse caráter esquizoide confunde tudo, fazendo parecer que ser gay é ser comunista, satanista, Petista (rsrs). Uma pessoa assim, que muito provavelmente vomita pérolas como as transcritas acima em seu próprio círculo familiar, de amigos e de trabalho, deve ser motivo de chacota pelos cantos, visto como um radical beirando a loucura, com uma sandice medieva e um medo de Satanás e do sexo que delata algum problema mais sério.

Resolvemos postar estes trechos para que os leitores tenham uma ideia do que pensam os brasileiros mais radicais e de como contribuem para a violência (física, moral e espiritual) em nosso país. Querem passar por pessoas corretas, defensoras dos direitos humanos, da "moral e dos bons costumes", mas não passam de agitadores e incitadores da violência que não estão nem aí para as vidas humanas que serão ceifadas por conta de seu ódio inexplicável. Digo com toda a certeza: ESTAS PESSOAS NÃO SÃO DE DEUS! E, reforço: somos cidadãos livres, de bem, pagamos impostos, respeitamos a Constituição e queremos ser considerados cidadãos plenos, não de segunda classe! O Brasil é laico e assim deve continuar! Ou vamos virar um novo Irã?

ESCLARECIMENTO: O blogue http://espiritualidadeinclusiva.blogspot.com já voltou ao ar, pessoal! Ficou fora do ar por algum tempo por conta de tentativa de invasão. Agora, já pode ser acessado normalmente. O preconceito não vai calar a voz LGBT nem o direito que temos a uma espiritualidade sadia, coerente e humanitária, que vê em todos os seres humanos, SEM DISTINÇÃO, algo maravilhoso, divino e digno de afeto, respeito e consideração.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lista de livros sobre Homossexualidade no "Vade Mecum Espírita"

Esta é uma sugestão enviada por nosso amigo Eudison de Paula Leal, criador do excelente blogue  http://sinapseslinks.wordpress.com

Ele enviou-nos uma lista que consta no site "Vade Mecum Espírita" - http://www.vademecumespirita.com.br - e que informa quais são os livros espíritas em português que tratam do tema "homossexualismo" (sic), que na verdade, hoje, deve ser considerado um termo inadequado, sendo o correto, "homossexualidade". Mas, quando a maior parte dos livros da lista foi escrita, a palavra corrente era "homossexualismo". Para os interessados na visão espírita do assunto, e principalmente após a boa repercussão da reprodução do artigo da Dra. Giselle Fachetti Machado, aqui vai:

Busca por Assunto: HOMOSSEXUALISMO
46 ocorrência(s) encontrada(s)

TítuloAutor EncarnadoPágina
A MOÇA DA ILHA MARILUSA MOREIRA VASCONCELLOS140;201;252
A MULHER NA DIMENSÃO ESPÍRITA J.REGIS-N.PUHLMANN-M.NOBRE88
A QUEDA DOS VÉUS AMERICO DOMINGOS NUNES FILHO116
AÇÃO E REAÇÃO FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER209
ALERTA DIVALDO PEREIRA FRANCO60
APÓS A TEMPESTADE DIVALDO PEREIRA FRANCO37
ARQUIVOS PSÍQUICOS DO EGITO HERMÍNIO C. MIRANDA44
BÍBLIA DIVERSOSLev.18,v22; 20v13;IReis 15v12; Rom.1v26;I Cor.6v10
CONVITES DA VIDA DIVALDO PEREIRA FRANCO61
CURSO DINÂMICO DE ESPIRITISMO JOSÉ HERCULANO PIRES28
DARWIN E KARDEC Um Diálogo Possível HEBE LAGHI DE SOUZA117
DAS SOMBRAS PARA A LUZ TELMA MAGALHÃES33 - Cap.II
DE FRANCISCO DE ASSIS PARA VOCE HUMBERTO DE ARAUJO136
DE MÁRIO A TIRADENTES MARILUSA MOREIRA VASCONCELLOS78;213;289
DINÂMICA PSI JORGE ANDRÉA DOS SANTOS176
DOENÇAS DA ALMA DR ROBERTO BRÓLIO158
DOS HIPPIES AOS PROBLEMAS DO MUNDO FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER112
ENCONTRO COM A CULTURA ESPÍRITA DEOLINDO ª/ALEXANDRE S./ALTIVO F./J.ANDRÉA67;89
ESPÍRITO, PERISPÍRITO E ALMA HERNANI GUIMARAES ANDRADEXVIII;227;228
FLORAÇÕES EVANGÉLICAS DIVALDO PEREIRA FRANCO10
FORÇAS SEXUAIS DA ALMA JORGE ANDRÉA DOS SANTOS76;116;121;132
GENÉTICA E ESPIRITISMO EURÍPEDES KÜHL141
GESTAÇÃO SUBLIME INTERCÂMBIO RICARDO DI BERNARDI93;97
HIPNOTISMO E ESPIRITISMO CESAR LOMBROSO143
LASTRO ESPIRITUAL NOS FATOS CIENTÍFICOS JORGE ANDRÉA DOS SANTOS142 * ref.esp.
MANUAL E DICIONÁRIO BÁSICO DO ESPIRITISMO A.CAVERSAN/GEZIEL ANDRADE57
MEDIUNIDADE JOSÉ HERCULANO PIRES60;141
MEDIUNIDADE NA MOCIDADE CARLOS A.BACCELLI97(44); 99(45)
NA ERA DO ESPÍRITO F.C.XAVIER-HERCULANO PIRES144
O ALÉM E A SOBREVIVÊNCIA DO SER LÉON DENIS95
O HOMEM NOVO JOSÉ HERCULANO PIRES18
PINGA FOGO COM CHICO XAVIER DEPARTAMENTO CULTURAL EDICEL54
PSICOLOGIA ESPÍRITA - Volume II JORGE ANDRÉA DOS SANTOS29; 82
PSIQUIATRIA E MEDIUNISMO LEOPOLDO BALDUINO198
REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES RICARDO DI BERNARDI150
REPOSITÓRIO DE SABEDORIA DIVALDO PEREIRA FRANCO277
REVISTA ESPÍRITA 1866 ALLAN KARDEC04
SAÚDE E ESPIRITISMO ASSOCIAÇÃO MÉDICO ESPÍRITA DO BRASIL287;346
SEM MEDO DE SER FELIZ JOSÉ CARLOS DE LUCCA33
SEXO E DESTINO F.C.XAVIER - WALDO VIEIRA273
SEXO E EVOLUÇÃO WALTER BARCELOS43;78;104
SEXO SUBLIME TESOURO EURÍPEDES KÜHL41; 135
SISTEMA IMUNOLÓGICO J.CARLOS BAUMANN-M.L.ESPIRITO SANTO37; 59
VAMPIRISMO JOSÉ HERCULANO PIRES18;29;44 (cap.II;IV;V)
VELADORES DA LUZ DOLORES BACELAR42
VIDA E SEXO FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER89



Link original: http://www.vademecumespirita.com.br/goto/store/ver.aspx?SID=851f9a779bace829713021b0c69175e9&assunto=HOMOSSEXUALISMO&btnAssunto=Pesquisar

Por fim, deixo parte do texto enviado pelo amigo Eudison junto com a lista:

"Muito obrigado pela consulta. O assunto homossexualismo é multi-facetado, extremamente complexo.
Eu não tenho capacidade e conhecimento suficiente para opinar sobre este tema, mas, em se tratando de Seres Humanos...sofro com a questão.
*
O anexo é a minha contribuição para aqueles que empunham a bandeira. Desejo sucesso no empreendimento desafiante.
*
Rogo a Jesus, o Cristo, para que todos quanto possam pertencer à este Universo, direta ou  indiretamente, encarnados ou desencarnados, sejam Iluminados e Abençoados.
*
Fraternalmente,
Leal -71- aprendiz em todas as instâncias da Vida"

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Homossexualidade analisada pela ótica Espírita

Por Dra. Giselle Fachetti Machado (publicado originalmente em http://amigoespirita.ning.com/profiles/blogs/homossexualidade-analisada-pela-tica-esp-rita e reprodução em "espiritualidade inclusiva" devidamente autorizada pela autora)


Tenho uma postura que pode chocar alguns. Sou favorável ao contrato civil de união entre pessoas do mesmo sexo. Procurarei justificar minha posição nas linhas abaixo.
Com a lei da união civil entre pessoas do mesmo sexo uma união longa e estável de um "casal" homossexual seria reconhecida como uma sociedade civil gerando direitos legais tais como plano de saúde, pensão, herança... Isso não propicia e nem promove uma possível perversão, mas reconhece uma situação que existe de fato.

Todos sofremos quando assistimos cenas de discriminação em relação ás minorias. Temos horror daqueles que se julgam superiores a seus empregados e por isso precisam de um elevador exclusivo. Não entendo como estes seres superiores comem a comida preparada por pessoas com a qual não podem nem sequer dividir um elevador sob o risco de subversão da hierarquia social.

Quando nos defrontamos com uma cena de discriminação racial somos tomados de uma fúria politicamente correta. A mesma fúria se torna verde quando imaginamos a crueldade com animais para o simples prazer de se obter o mais belo casaco de peles ou para garantir que uma determinada maquiagem não é tóxica para o olho humano.
Só que não são apenas essas as cruéis discriminações que presenciamos em nossa sociedade. Discriminamos o feio, o magérrimo, o gordo. Discriminamos o pobre e o ignorante. Aceitamos apenas os nossos semelhantes. Aqueles que nos representem em uma espécie de espelho mágico dos seletos.

Proteger os animais e a mulheres são guerras “fashion”, chiques. Esta postura nos faz aceitos nas altas rodas. Se defendermos a união civil entre homossexuais em um ambiente que se diz familiar, seremos taxados de perversores da sexualidade humana, de desencaminhadores de indecisos.

Ora, ninguém passa a desejar fisicamente pessoas do mesmo sexo por imposição. O desejo sexual pode até ser reprimido em sua intensidade ou oportunidade. Agora, modificar sua qualificação, modificar a natureza do objeto que desperta esse desejo, isso não é uma possibilidade sujeita à simples vontade e decisão. O gosto pessoal é fruto de uma característica íntima, transcendente e intensa.
As pessoas não optam por serem homossexuais, elas o são. Nascem assim.

Imaginem um de nós que fosse fruto de um inusitado transplante total de corpo, uma experiência fantástica da ciência do faz de conta, e que acordasse em uma manhã qualquer, em um corpo do sexo oposto ao que utilizava. Nesta circunstância, estaríamos ainda impregnados de vivas impressões do corpo anterior e não seríamos capazes de mudar nosso foco de desejo sexual. Esta situação implicaria em uma transição instantânea, o que é um grande desafio. Portanto, seríamos, sim, de uma hora para outra, homossexuais.

Se, temos a nossa identificação sexual atual tão forte e nos gabamos disso, como se fosse um mérito, o que aconteceria se reencarnássemos em um corpo do sexo oposto? Certamente seríamos homossexuais. Quem garante que não passaremos por uma experiência assim um dia?

Ah! Diriam os pseudotolerantes:

- Isso não acontece, pois a homossexualidade se trata de punição “cármica” para quem usou mal a sexualidade em vidas pretéritas.

E quem usou mal do amor fraternal que deveria distribuir e discriminou seus irmãos homossexuais? Será que para correção desse equívoco, a experiência em um corpo discrepante em relação á sua identificação sexual atual, não propiciaria uma ótima oportunidade?

Se retirarmos do pool de dores morais que os homossexuais sofrem aquelas oriundas de nossa intolerância, estaremos exercendo a caridade cristã que permitirá que, eles, ao carregarem uma carga menor, consigam chegar mais longe.

A homossexualidade é descrita por Freud como conseqüência de uma identificação sexual inadequada por ausência da figura paterna ou por essa figura, se presente, ser fraca, dominada ou inexpressiva.

Mas nem sempre essa premissa está presente. Uma família com características predisponentes á construção de personalidades homossexuais pode assistir ao crescimento de crianças que se tornem adultos heterossexuais. Na realidade isso é o que acontece na maioria das vezes.
Temos, portanto, um componente ambiental, um emocional, um biológico e um espiritual envolvidos no complexo desenvolvimento de uma personalidade homossexual. Não acredito que se trate sempre de obsessão como querem muitos dos pseudotolerantes.
A obsessão só explica o aprofundamento de características já presentes nos indivíduos, ainda que latentes. Não é por sintonia que os obsessores agem? Nenhum obsessor é capaz de fazer uma mulher desejar outra, a não ser que ela já tenha, em si, trazido a tendência homossexual, o que abre as portas para obsessores afins. Existem obsessores de todos os matizes, conforme o número de seres humanos diferentes entre si.

A questão espiritual é importante nesta problemática. Um espírito ainda bastante identificado com as qualidades femininas vivendo em um copo masculino e vice-versa.
Outra forma de pseudotolerância é quando taxamos todos homossexuais de ex-perversos. Ou seja, estão colhendo os frutos de uma sexualidade transviada em encarnações anteriores. Sabemos que isto pode acontecer, em alguns casos, mas, se generalizamos, estamos construindo a estrutura básica dos preconceitos.

O que eu acredito que explica de forma mais fiel a situação é uma identificação intensa do espírito com o gênero sexual em que viveu na terra por muitas oportunidades, em geral seqüenciais. Em um determinado momento deve ser feita a transição para um corpo do sexo oposto com objetivo de possibilitar àquele espírito aprendizados mais próprios do outro gênero.
Quando o espírito já alcançou um grau de desmaterialização maior, ele consegue viver sua sexualidade conforme o corpo que recebe. Vemos muitos homens femininos e mulheres masculinas que não são homossexuais.

Se ainda está muito ligado ás experiências anteriores mantém o padrão que apresentava nestas outras oportunidades. Ele se sente prisioneiro em um corpo inadequado, estranho, impróprio.
Muitos de nós que nos vangloriamos de sermos “machos” ou “fêmeas” exemplares viveremos experiências semelhantes, no momento em que a transição se fizer compulsória.

Alguns homossexuais são verdadeiros missionários, enviados á terra para lutarem contra os preconceitos e para dignificarem seus irmãos homossexuais que ainda encontram-se perdidos na promiscuidade sexual. Muitas vezes isso se deve às intensas e profundas distorções de auto-imagem e auto-estima que a interação com uma comunidade preconceituosa geram.

Quando aceitamos o homossexual com a condição de que ele não pratique sua opção sexual, os estamos condenando á solidão. Quais de nós abriria mão de sua vida sexual de forma definitiva, no grau de evolução em que nos encontramos atualmente, em função de uma tese? Ou de um dogma? Apenas alguns ....

Qual o prejuízo que essa prática gera a sociedade?
É claro que não estamos falando de promiscuidade. Alguns homossexuais são promíscuos, e isso é um erro. Ser homossexual e praticar a relação homossexual com parceiros selecionados e de forma segura não pode ser considerado um pecado. É uma prática condizente com as necessidades físicas do ser humano.

O heterossexual promíscuo está errado, a mulher casada que mantém relação sexual com seu marido em troca de benefícios financeiros é prostituta. O heterossexual desleal também está em pecado. Se alguém assumiu um compromisso com um determinado parceiro e foge ao compromisso de forma desonesta, ele peca.

Trair não é um ato físico. Trair é descumprir um acordo. Se um casal hetero ou homossexual não respeita um acordo consensual feito previamente, eles estão sendo desleais e anticristãos. Se existe uma situação nova que impede o cumprimento do acordo inicial, este deve ser revisto de forma clara e até desfeito, se for o caso.

O ideal é que tenhamos um único parceiro em toda a nossa vida. Se tivermos a benção e a sabedoria de acharmos um par compatível com nossas expectativas e possibilidades podemos viver essa situação ideal. Só que neste mundo ela ainda é rara.

Estaremos todos em um grau maior de aproximação com a Divindade no momento em que tivermos a condição de praticar o que a Bíblia propõe, em termos de sexualidade, de forma natural, automática, plena.

Pessoas que tiveram inúmeros parceiros sexuais são aquelas que ainda não acertaram em sua busca. Ninguém tem o direito de tirar as esperanças de um irmão sedento de felicidade. É claro que a medida em que evoluímos, a nossa felicidade passa a depender mais de nós mesmos do que do objeto de nossa afeição ou de conquistas materiais. Mas ainda estamos na terra e não no paraíso.

Se ainda somos dominados por impulsos animais e estes serão vencidos por nossa evolução, creio que o processo, para ser bem sucedido envolve um caminhar conjunto e solidário.

Sem dúvida, quando eu me identificar menos com as necessidades materiais talvez eu possa entender a possibilidade de sublimação do desejo sexual de forma não perniciosa. Por enquanto, quando penso nisso, lembro-me dos pedófilos escondidos em uniformes respeitáveis.

A franqueza será sempre mais saudável que a dissimulação. Melhor um homossexual assumido do que um pseudo-sublimado corruptor e ocultado atrás de uma respeitabilidade fictícia.

Sei que um dia eu serei vencedora na luta pela perfeição, não sei se chegarei lá antes ou depois dos homossexuais que conheço. Mas isso não faz diferença....Estamos caminhando e é o que importa.

Amarmos ao próximo como a nós mesmos significa aceitar as opções e características individuais. Não exigir de ninguém o que não seríamos capazes de fazer. Quem de nós é capaz de abrir mão de sua vida sexual? Quem é livre do pecado e tem condição de atirar a primeira pedra?

Sobre a autora

Giselle Fachetti Machado  (Goiânia/GO)
Médica Ginecologista e Obstetra. Graduada pela Faculdade de Medicina da UFG e residência médica e especialização em Colposcopia no HC da UFMG. É responsável pelo Serviço de Colposcopia do Laboratório Atalaia de Goiânia. É membro da Comunidade Espírita Ramatís, em Goiânia e atuante no movimento em Defesa da Vida e na AME Goiás (Associação Médico Espírita). Nasceu em 20/05/1962 em Cianorte, no Paraná. Reside em Goiânia desde os 6 anos de idade. Oriunda de família espírita sendo que seu avô Osmany Coelho e Silva foi pesquisador espírita na década de 1940 no Rio de Janeiro. 

[Onde somos notícia] Blog "Espiritualidade e Mensagens"

Hoje recebemos nossa primeira citação em postagem num outro site. É o blog "Espiritualidade e Mensagens", de Jéssica Cavalcante.

Um trecho da citação:

"OIIII Meus amores, bom hoje eu tive o prazer de conhecer um Blog que se chama Espiritualidade Inclusiva mas antes de indicar e falar um pouco desse blog eu quero esclarecer algumas questões antes.
   Bom aqui no Espiritualidade e Mensagens, Graças a Deus vocês são bem diversos e de fato posso dizer que vocês representam o mundo como ele é, o mundo qual estamos inseridos. Inclusive eu tenho todos vocês como basicamente uma família pois cada um de vocês tem o que eu valorizo que é a diferença ou seja a diversidade. Pude constar que aqui no Blog temos pessoas das mais variadas crenças, filosofias, idades enfim uma variedade incrível .
(...)
Hoje eu tive prazer de conhecer um blog sobre Espiritualidade Inclusiva, lá eles abordam uma espiritualidade livre, e fazem denúncias sobre preconceitos, sobre a questão de termos um estado laico que é muito triste saber que a cada dia que passa nosso estado caminha para uma ditadura religiosa, pois os últimos projetos de lei favorecem apenas ao um grupo social e esqueci que toda a diversidade também paga imposto.
(...) "

Vocês podem ler o texto completo em um dos dois links abaixo (o primeiro está entre nossos blogues recomendados):

http://espiritualespiritualidade.blogspot.com/2011/12/espiritualidade-inclusiva.html

http://espiritualidades.multiply.com/journal/item/2019/Espiritualidade_Inclusiva

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Constrangimentos de Fim de Ano

Por Paulo Stekel (artigo postado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2010/12/21/constrangimentos-de-fim-de-ano/)

Uma de minhas maiores tristezas é o fato de que nunca pude revelar a meus familiares a minha condição… Na maior parte do ano, morando em outra cidade, era até fácil esconder a verdade, dar desculpas não checadas, falar de namoradas fictícias e montar discursos satisfatórios de minhas atividades na capital. Mas, então, chegava o período das festas de fim de ano e a angústia se apossava de mim. Viajar ao interior, junto ao seio familiar, sem as “provas” de normalidade tão ansiada por todos, era um suplício. Parecia que eu me dirigia à cadeira elétrica ou que portava uma bomba-relógio que poderia explodir a qualquer momento.
Todos os meus irmãos iam com suas esposas ou namoradas. Independente de seus atos privados, podiam gozar da visão da normalidade tão desejada pelo “clã”. Eu sempre ia sozinho… triste… acuado como um cão culpado por ter feito algo desaprovado por seu dono. De certa forma, isso me tornava o centro das atenções, das perguntas indiscretas e das preocupações de meus pais. O fato de eu ter ido bem na faculdade, de estar trabalhando e de aparentar ótima saúde parecia irrelevante diante da anormalidade de ter vinte e cinco anos e ainda não ter casado, nem de jamais ter sequer levado uma namorada para visitar minha terra natal. Um constrangimento indescritível. Um ano inteiro de apreensão maquinando respostas às perguntas mais astutas sobre minha vida pessoal.
Mas, quando conheci o amor de minha vida, esse teatro de quinta não podia mais continuar. O conheci no início do ano e, antes de junho já morávamos juntos. Para meus familiares, era só um colega de faculdade que dividia o apartamento comigo. Como nunca nos visitavam, era fácil manter a mentira. Contudo, para os familiares dele, tudo era o oposto. Sabiam, aceitavam e aprovavam. Algum alento em meio ao inferno que minha alma enfrentava todo o tempo.
Mais um final de ano e uma decisão difícil: passar o Natal na casa dos pais dele, sendo aceito plenamente, ou ir sozinho para a casa de meus pais, repetindo a peça teatral há tanto tempo em cartaz… Se decidisse ir para a casa dos pais dele, como explicar aos meus minha ausência?
Depressão, sono, remédios e muito choro após, tomei uma decisão aparentemente insana: ir para a casa de meus pais… com ele. E, fomos! Inicialmente o apresentei como o meu colega de apartamento, o que não era de fato uma inverdade. Mas, os olhares indiscretos, já tão constrangedores em outros anos, agora eram como um pelotão de fuzilamento.
Por fim, me decidi a ir para o paredão e, orgulhoso de minha coragem justa, disse minhas últimas palavras: “Pessoal, este homem que veio comigo não é apenas meu colega. É muito mais do que isso. É a força que eu não tinha, a auto-estima que eu buscava e o amor próprio que tinha perdido. Com ele conheci a família que nunca tive. Ele é meu namorado, o homem que eu amo…”
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A vida é mais irônica e cruel que a ficção. Aprendi isso com o tempo. Quando mais jovem, pensava que a ficção forçava a realidade. Depois, vi que a ficção às vezes é até mais leve.
Quando eu o conheci, acho que nossas almas se entenderam imediatamente. Mas, para ele, a força do ambiente era um impedimento enorme. Sua depressão evidenciava a pressão da família para que não nos víssemos mais. Algumas vezes pensava que ele poderia se suicidar. O pai, um militar linha dura daqueles que adora justificar os tempos da Ditadura, um exemplo de marido (quando a esposa não estava por perto para ver seus casos extraconjugais) e um nobre maçom partidário da Igualdade e o resto que se segue – não sei como ele conciliava tudo isso – de tudo fazia para nos afastar, por ter percebido mesmo antes de nós o que estava sendo engendrado em nossos jovens corações. Os embates intelectuais entre eu e ele eram memoráveis… e tensos. Meu amor ficava mudo, sem dizer uma palavra, apenas ouvindo… ou entorpecido pelo medo.
Chegou a época da formatura do meu amor e ele retornou a sua cidade natal. O pai dele comemorava com os olhos um afastamento que julgava ser definitivo, qual uma cura para um mal que – ele insistia em fazer de conta que não percebia – com certeza não estava em mim.
No final do ano estava eu longe de quem mais me importava ter por perto. Ele sentia o mesmo. Telefonava-me às escondidas, pois estava sob “vigilância militar”. Decidiu vir vir-me no final do ano. Se impôs pela primeira vez, aumentando o ódio que o pai dele sentia de mim. Mas, ele veio. Passou o Natal comigo. Contudo, sua depressão continuou e eu o fiz retornar a sua família.
Num golpe de coragem extrema eu fui até ele após o ano novo. Enfrentei as ironias do “sogro”, a apatia da “sogra” e o comportamento robotizado/normalizado dos “cunhados”. Filhotes de ditador muito bem treinados… Naquela casa passei uns três dias, me sentindo parte de um experimento do “general” do lugar, que deixou as coisas correrem para ver até onde iríamos. Não fomos muito longe… O medo que um filho pressionado tem de seu pai pode paralisar tudo, até o coração. Ele se afastou, não me atendeu ao telefone, tentou o suicídio. Fracassou… Sobreviveu. Entrou nos “eixos da normalidade” e se anulou para si mesmo. Passados muitos anos, está tão obeso quanto seu pai. Eu, contudo, fiz tudo ao contrário. Revivi, levantei, venci, o esqueci e amei novamente. Escolhas… nada mais que escolhas.
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O que mais importa no final do ano? Celebrar, fofocar ou dar-se à hipocrisia? Todos se consideram cristãos incontestes, mas raramente lembram de quem é o aniversariante no Natal. Esquecem totalmente o amor ao próximo pregado por ele. Então, no que se transformou este dia que quase ninguém ousa não comemorar? Em um teatro de marionetes de péssimo gosto. Sempre me senti uma marionete nesta época. Por isso, deixei de comemorar o Natal ou o Ano Novo com minha família. Não sou o tipo que fica inventando mentiras sobre minha vida pessoal para agradar a hipócritas não-santos que se acham a fina flor da “normalidade familiar”. A normalidade familiar é a podridão da mentira e da hipocrisia, é o que se esconde para aparentar autoridade moral.
Depois de muitos anos passando as festas de fim de ano com amigos em lugares públicos, bares e festas privadas, resolvi naquele ano passar com a família de meu namorado. Ele havia me explicado que, embora nunca tenha se assumido, eles pareciam perceber tudo e nunca interferiam, nem ficavam fazendo perguntas constrangedoras. Perfeito demais, pensei… Mas, vamos lá.
A mãe recebeu-nos com a gentileza típica de quem sempre foi “do lar”, empanturrando-nos com todo o tipo de guloseimas de Natal, algo que ela teve muito tempo de sua mesmice de vida de esposa-empregada do marido e dos filhos para aprender.
O pai havia morrido. Os irmãos tinham suas próprias vidas e não se intrometiam uns nos negócios dos outros. Então, as festas de fim de ano serviam apenas para um rápido relatório das atividades anuais, sem muitos detalhes. Essa era a salvaguarda de meu namorado. A mim, só perguntaram coisas comuns, como estudo, trabalho, gosto musical ou literatura. Religião parecia assunto interdito, apesar do Natal ser a maior festa religiosa do Ocidente…
Pode parecer estranho, mas mesmo não sendo alvejado por perguntas constrangedoras, me sentia constrangido naquela mesa farta. O silêncio constrange tanto ou mais que a palavra cortante.
Por baixo da mesa tentei pegar na mão de meu amor, mas ele a retirou imediatamente, olhando-me com ar de reprovação. Perguntei-lhe no ouvido o motivo de não poder pegar em sua mão. Não me respondeu.
Terminada a ceia-cena-ato cronometrado, rito cumprido para exorcizar demônios inquisitórios arquetípicos, cada um foi se retirando e retornando a sua casa. Eu ainda mantinha meu semblante de indignação por nem sequer poder abraçar quem amo na hora do “Feliz Natal”.
Assim que todos saíram e só ficamos eu, ele e a “sogra-empregada”, perguntei-lhe novamente o motivo de não poder me aproximar. Ele novamente emudeceu, mas a mãe chegou em meus ouvidos e sussurrou: “A regra do pai dele ainda é seguida aqui – faça o que quiser de sua vida, frequente a casa paterna com quem quiser, mas não obrigue minha alma a compartilhar da indecência que deve ficar apenas entre você, Deus e o Inferno…”
Indignado, me pus porta afora, não sem antes dizer em alto e bom som: “Antes o Inferno da Verdade da Alma que o Paraíso da hipocrisia dos salvos autodeclarados!”
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Estas três histórias ilustram muito bem o constrangimento que gays passam junto a seus familiares no período das festas de fim de ano. Duas destas histórias são fictícias; uma delas é verdadeira, e se passou comigo. Deixo para vocês a tarefa de descobrir qual delas é um pedaço de minha vida.

Conheço muitos gays que vivem longe de suas famílias. Muitos estudaram, foram ótimos alunos, trabalham e se sustentam, e saíram de suas cidades natais para evitar os constrangimentos típicos de quem ama alguém do mesmo sexo. Na maior parte do tempo o constrangimento é evitado, salvo nas festas de fim de ano. Reencontrar pais, irmãos, primos, tios e sobrinhos é um prato cheio para perguntas totalmente destituídas de inocência. Afinal, nossos parentes nos conhecem muito bem, principalmente nossos pontos fracos. O pai pergunta: “Como vão as namoradas?” (Um pai machista não se sente seguro se for uma só!) A mãe pergunta: “Você está se cuidando?” (O velho clichê da promiscuidade dos gays…) Os irmãos perguntam: “Então, vai casar com mulher ou continuar pagando de veado para todos?” (Esses são os mais sinceros!) Os parentes mais distantes (mas não menos maquiavélicos) perguntam: “Por que não trouxe a namorada desta vez? Você tem namorada, não é? Um rapaz de quase trinta anos sem namorada, já viu, né?” (Vontade de responder: “Veado é seu filho, que tem quinhentas namoradas de fachada e vive dando em cima de mim!”)
A grande verdade é que as festas de fim de ano, especialmente o Natal, são um momento constrangedor para todos, gays ou não. As disputas se acirram, as mágoas se revelam, a hipocrisia reina absoluta, mas o peru tem que estar impecavelmente assado sobre a mesa. E, o aniversariante? Quase nunca é lembrado, salvo em famílias muito religiosas em que alguém ainda lembra que o Natal é a comemoração de um aniversário.

Quando eu era cristão não me indignava tanto com isso como agora, que sou budista. Quando era cristão estava imerso na onda e não percebia o óbvio. Como budista, consigo perceber a deformação e me lembro do aniversariante em sinal de respeito muito mais que muitos cristãos na noite de Natal. O comércio tomou conta da festa, a hipocrisia se tornou a tônica da celebração e o presépio foi susbtituído pelo Papai Noel.
Em geral, meus amigos gays não gostam destas coisas, pois são pessoas inteligentes e percebem a jogada. Gays são pessoas que acabam por aprender a viver sozinhos, a se sustentar, a responder à intolerância e a ironizar a hipocrisia das famílias. A única exceção é um primo meu, formando de Medicina (o julgava culto e inteligente…), que ao saber que não comemoro o Natal por ser budista (ele sabe o que é isso?), largou esta pérola: “Como assim? Todo mundo comemora o Natal! Não conheço quem não comemore!” (Silêncio sepulcral…) [Só para matar a curiosidade de vocês: ele ainda vai sozinho para o interior no final do ano e jura que tem namorada, mas mora com o namorado há anos.]

Nota atual: A pessoa que protagonizou comigo a história verdadeira (vocês deverão deduzir qual é ela) morreu num trágico acidente de carro em abril de 2011, portanto, quatro meses após eu ter escrito este artigo. Foi uma fatalidade. Ele estava na carona do carro da empresa e não resistiu aos ferimentos. Ao Eduardo, seu nome verdadeiro, rendo minhas homenagens póstumas...)

A União dos Iguais: Quando a Religião interfere no Direito Social

Por Paulo Stekel (artigo postado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2010/11/18/a-uniao-dos-iguais-quando-a-religiao-interfere-no-direito-social/)

Nestas eleições vimos a formação de um perigoso triângulo (nada amoroso): políticos “vendilhões de votos” de um lado, evangélicos e católicos fundamentalistas de outro, e os gays em busca de seus direitos civis no topo. No centro da discussão, a união gay.


Quem gostaria de ver sua união com um companheiro ou companheira do mesmo sexo reconhecida em toda a sua expressão, tendo equiparados todos os direitos civis franqueados a uniões entre pessoas de sexos opostos? Creio que muitos casais homossexuais gostariam! Mas, há muita confusão neste assunto. Durante a campanha eleitoral de 2010 ficou claro que nem os políticos sabem exatamente a diferença entre união civil e casamento religioso, pois misturaram as estações na hora de manifestarem seu “desapoio” à união entre pessoas do mesmo sexo. O único que parecia ter certeza do que NÃO queria era o fundamentalista Malafaia… Os demais leiloavam a comunidade LGBT na insana busca por votos decisivos. Parece que a estratégia não deu certo, não assegurou nem os votos dos evangélicos, e ainda alertou a comunidade LGBT para o risco de ser tratada como massa de manobra, caso não reveja sua tendência a apoiar este ou aquele partido político por conta de promessas de apoio aos direitos civis dos gays. Na “hora H” se percebe que apoio político é moeda de troca: vale votos!

O casamento entre pessoas do mesmo sexo, casamento homossexual, Casamento Igualitário (na Argentina) ou casamento gay é uma instituição existente em certos países que une duas pessoas homossexuais. Nas nações democráticas (e laicas) há dois tipos distintos de casamento: o casamento civil (cujos direitos são assegurados pelo Estado) e o matrimônio religioso (variando em suas particularidades conforme a religião).
Apesar do Estado quase sempre aceitar a documentação expedida por instituições religiosas para estabelecer um casamento civil no registro civil, isso não quer dizer que o rito religioso chamado matrimônio equivalha ao casamento civil. Por que? Por causa de um motivo simples: o laicismo do Estado republicano e democrático. Portanto, equiparar o casamento civil homossexual ao heterossexual é algo que deve ser cobrado do Estado, não das religiões. Se elas permitirão que se celebrem casamentos religiosos em seus templos, isso é outro assunto, pois aí entramos na esfera religiosa. Por outro lado, não cabe às religiões impedir que o Estado reconheça os direitos civis dos gays, pois se trata de esfera laica.

União entre iguais não é algo novo

Apesar dos religiosos se escandalizarem com a ideia de casamento gay, não podemos esquecer que sociedades antigas já permitiram tal união. Na Era Clássica havia um tipo de união chamada Adelphopoiesis (do grego: adelphos, irmão; poie, feito, lit. “feito irmãos”).

Originalmente, era uma cerimônia realizada na sociedade greco-romana, para a união entre duas pessoas do mesmo sexo, em geral homens livres e de classe social semelhante (a mulher e os escravos tinham poucos direitos neste período, quase se confundindo). No período medieval, as Igrejas Romana e Ortodoxa Grega continuaram com esta cerimônia, mas a partir daí as fontes dizem que esse tipo de união equivalia apenas a um pacto de sangue entre amigos, não tendo conotação sexual. E, na era greco-romana? Sabemos que os Gregos viam a homossexualidade com certa naturalidade e isso influenciou muito os Romanos da Era Clássica! Na temível Esparta grega a união matrimonial entre os soldados era incentivada, pois se acreditava que, lutando juntos, seriam mais fortes contra o inimigo.

Mas, não temos só o exemplo greco-romano. Em diversas tribos da África são permitidas uniões entre iguais há séculos. Até dotes são pagos às famílias, e filhos podem ser gerados através de espécies de “parceiros de aluguel” (homens ou mulheres). Uniões entre homens foram documentadas em cinco tribos africanas, enquanto as uniões lésbicas foram registradas em mais de trinta tribos.
Na China da Dinastia Ming (1368-1644) o casamento entre iguais era permitido, mesmo entre mulheres, onde era chamado de Casamento das Orquídeas de Ouro. Entre homens havia o matrimônio Fujian, sendo o mais velho chamado de “grande irmão jurado”, e o mais jovem de “pequeno irmão jurado”. Após o Fujian, todos os custos do mais jovem seriam pagos pelo mais velho. Eles passavam a morar e a dormir juntos e mulheres (escravas) podiam ser compradas apenas para procriação.
Em certas tribos da América do Norte foram documentadas uniões homossexuais permitidas a pessoas chamadas de “dois-espíritos”, ou seja, que aparentavam alguma ambiguidade sexual.

A divergente visão religiosa

Atualmente, várias confissões religiosas têm discutido sobre a aceitação ou não da homossexualidade como algo natural e não doentio. Por conta disso, o debate sobre a celebração de casamentos religiosos entre pessoas do mesmo sexo é cada vez mais acirrado.

No mundo cristão a divisão é clara – há quem aceita e há quem prefere matar gays do que aceitar. Quem aceita, se baseia na máxima evangélica do “Ama ao próximo como a ti mesmo” (seja ele pecador ou não), já que “Deus é amor”. Quem não aceita, se baseia na lei deuteronômica que manda matar quem se deita com alguém do mesmo sexo, pois Moisés diz que Jeová é um “Deus irado”, vingativo. (Eu sei que ler essas duas versões na mesma Bíblia é de deixar qualquer fiel confuso!)

No mundo islâmico praticamente não há divisão – a solução encontrada ali é enforcar e fuzilar gays, como quer o ditador iraniano (aspirante a Hitler do século XXI) Ahmadinejad e a sharia (a lei islâmica) que ele defende. A lei islâmica é tão irreal que, no Irã com o qual o governo brasileiro tem flertado nos últimos anos, até crianças foram enforcadas sob acusação de serem gays simplesmente por usarem calções curtos demais! Sério! Contudo, ao se discordar da aplicação da sharia, não se está necessariamente atacando o Alcorão, pois ela é baseada mais nos costumes locais (os Al-Urf) do que no livro sagrado do Islã. Tanto isso é verdade que ela não é aplicada em todas as nações islâmicas. Indonésia, Bangladesh e Paquistão, por exemplo, possuem leis e constituições majoritariamente seculares, o que impede a aplicação de penas bárbaras como as que vemos no Irã, Afeganistão e Sudão. E, atualmente, vários movimentos islâmicos contestam a aplicação da sharia. As fontes da sharia são, além do Alcorão, a suna (obra que narra a vida e os caminhos de Maomé), os ahadith (as narrações de Maomé) e a ijma (o consenso da comunidade). Nos casos não previstos nas fontes sagradas citadas, os estudiosos da lei e da religião se valeram da Qiyas, raciocínio por analogia, algo que pode levar a alguns sofismas mais perigosos que o “sentido acomodatício” da Teologia cristã (aquele que consiste em dar às palavras da Bíblia um sentido diferente daquele que o autor pretendia, e que é o mais usado na liturgia e na pregação).

Algumas igrejas cristãs dos EUA, Canadá, Suécia, e até do Brasil abençoam uniões homossexuais: Metropolitan Community Church e Associação Unitária Universalista (EUA); United Church of Canada (Canadá); Igreja da Comunidade Metropolitana, Igreja Para Todos, Igreja Cristã Contemporânea e Comunidade Cristã Nova Esperança (Brasil).

No Budismo não há um “casamento” como o cristão. O que há é uma bênção do casal, dada por um sacerdote, desejando todos os benefícios para os que se unem de comum acordo. É apenas um reforço dos compromissos ou votos tomados individualmente por ambos e agora unidos pela decisão de partilharem uma vida. A separação, caso ocorra, também é um ato voluntário do casal e não requer permissão do sacerdote budista. Não há “pecado” na separação, nem numa nova união. A base moral do Budismo nestas questões está no benefício e no evitar o sofrimento. Assim, a princípio, não há qualquer impedimento de uma bênção budista para um casal gay. Muitos casais budistas gays já foram abençoados por lamas e gurus budistas em todo o mundo.

No Brasil, já tive notícias de tais bênçãos budistas a casais gays, mas isso acaba ficando reservado aos noivos e aos convidados. Rsrs. Sério! Com receio da reação cristã (que não possui qualquer gerência sobre as práticas budistas!), vários sacerdotes do Budismo Tibetano no Ocidente abençoam seus discípulos gays sem permitir que estes noticiem o que seria o evento mais feliz de suas vidas ao grande público. Contraditório? Talvez. Mas, compreensível num mundo tão preconceituoso… Eu mesmo fiquei sabendo que em certo centro budista tibetano no sul do Brasil há um séquito de lésbicas em volta da lama orientadora e que muitas delas se “casaram” ou, melhor dizendo, receberam a bênção da união por um sacerdote budista, mas foram orientadas a manter isso sob reserva, para evitar a fúria dos evangélicos da cidade onde o centro budista está instalado. Casais masculinos também receberam ali a mesma recomendação após a bênção… Os Malafaias daquela região querem de qualquer modo fechar as portas do templo budista que eles consideram a “sucursal de Satanás” na serra gaúcha! Pasmem!!! (Quase não resisto à tentação de lhes devolver a ofensa revelando-lhes onde fica a matriz!)

União civil X Casamento religioso

Desde o final década de 1990 iniciaram em vários países tentativas de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 2001, a Holanda foi o primeiro país a legalizar a união gay. Seguiram depois o mesmo rumo Bélgica, Canadá, África do Sul, Espanha, Noruega, Suécia, Portugal, Islândia, Argentina e dois estados norte-americanos (Massachusetts e Connecticut). Israel reconhece os casamentos gays realizados em outros países, apesar de ainda não os ter legalizado em seu próprio território.

E, no Brasil, o que temos? No máximo o registro civil, a “declaração de união homoafetiva”, um registro em cartório aprovado em várias estados, sem status de casamento civil, que serve para que casais gays possam comprovar dependência econômica e pleitear seus direitos na Previdência Social, entidades públicas e privadas, companhias de seguro, bancos, etc. Este registro permite que sua união seja reconhecida como uma entidade familiar. As decisões judiciais estaduais que permitiram a criação deste registro se basearam nos princípios constitucionais do respeito à dignidade humana e da igualdade de todos perante a lei. Mas, este registro ainda não é a união civil gay, não é um casamento com todos os direitos que este prevê.

A propósito, a confusão entre casamento gay (o religioso), união civil gay e união estável homoafetiva é muito comum, mesmo entre pessoas esclarecidas e que deveriam saber a diferença! Entre estas estão os três principais candidatos à presidência em 2010 que manifestaram a mesma ignorância do assunto.

Quando Marina Silva disse que “é preciso separar as duas coisas (união civil e casamento) porque acredita que o casamento seja “um sacramento”, Dilma Roussef disse que “a questão do casamento é religiosa” e José Serra disse que “a nomeação da união como ‘casamento’ depende de convicções religiosas”, o que todos queriam dizer? Que não sabem sequer etimologia?

A palavra “casamento” vem de “casa”, onde vive o “casal”. Não importa se são de sexos opostos ou não. O fato da palavra ser derivada do latim medieval casamentu, o ato solene de união entre duas pessoas de sexo diferente, não significa que o termo não possa ser aplicado no caso da união dos sexos iguais, já que evidencia a “casa”. No antigo patriarcado, os pais “casavam” os filhos, ou seja, os investiam com uma casa, parte de seus bens e propriedades, para que o casal pudesse sustentar a nova família. Nenhuma referência etimológica a casais de sexo diferente, portanto. Talvez a palavra “matrimônio” pudesse ser interdita etimologicamente neste caso por envolver a noção da “mãe” como tendo a prerrogativa de um lar legal: “matri-monium”, do latim “mater” (mãe) e “monium” (função, cargo), ou seja, o direito adquirido pela mulher que o contrai de ser mãe dentro da legalidade.

Contudo, parece que os três candidatos não fizeram a lição de casa ou faltaram à aula no dia em que se ensinou que o casamento é uma união civil e, assim, se diferencia da união estável, constituindo ambas as modalidades os dois regimes jurídicos criados para reconhecer uma família no Brasil. Ademais, casamento não é uma “questão religiosa”, pois a Constituição Federal (artigo 226) diz com todas as letras que o casamento “é civil e gratuita a celebração”, além de assegurar que “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”. O contrário não ocorre no Brasil porque o Estado é laico! E, os “termos da lei” de um Estado laico significa que o casamento, mesmo tendo sido realizado numa cerimônia de qualquer religião, deve ser registrado em cartório para ter seus efeitos civis plenos.
A união estável, também aceita como entidade familiar, tem contudo, algumas diferenças quando comparada ao casamento, sendo preferível aos casais gays pleitearem a aprovação do último. Por que? Porque na união estável (incluindo a entre heterossexuais) ambos os indivíduos continuam sendo solteiros, não podem utilizar o sobrenome um do outro e não têm direito incontestável à partilha de herança no caso de morte de um deles. Então, o que é preferível? O casamento, que é civil, não depende de “convicções religiosas”, assegura direitos sociais equiparados e não traz em sua etimologia qualquer conotação de gênero! Deixemos os fundamentalistas religiosos à procura da matriz de Satanás… Mas, temos certeza de que ela não está numa parada gay ou num templo que celebre casamentos entre iguais…

Gays: cidadãos de segunda classe num Estado laico?

Por Paulo Stekel (artigo postado originalmente em http://gayexpression.wordpress.com/2010/10/24/gays-cidadaos-de-segunda-classe-num-estado-laico/)

Vivemos num Estado laico? Então, por que a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), em seu Preâmbulo diz “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, (…) e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, (…) promulgamos, SOB A PROTEÇÃO DE DEUS, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”?

Ora, se o Estado é laico, significa que não há uma “religião do Estado”. Então, qual o motivo de se invocar a proteção de Deus? Por que não invocar também a proteção de Buda, de Alá, de Krishna ou Oxalá?
O Estado laico ou secular tem como uma de suas principais características a separação entre Igreja e Estado, mantendo-se este último completamente neutro no que tange a temas religiosos de qualquer religião, é bom frisar. Mesmo assim, o Estado laico tende a promover, através de leis e programas, a convivência pacífica entre os credos, fomentando atividades em prol da tolerância e combatendo a discriminação religiosa. Mas deve, também, sob pena de comprometer sua laicidade, combater ações de grupos religiosos que venham a interferir na vida de todos cidadãos por conta de suas crenças. Não é o que temos visto neste período de eleições no Brasil, especialmente no segundo turno das eleições presidenciais.
Grupos religiosos fundamentalistas, vulgarmente chamados de “evangélicos”, há muito tentam interferir nas decisões políticas e na aprovação de leis em nosso país sempre que estas estejam em desacordo com suas crenças. Não vamos nem entrar no mérito destas crenças, se estão alinhadas com os tempos ou se são ainda resquícios de um pensamento medieval e atrasado. Cada um crê no que quiser! O problema reside no fato de tais crenças serem defendidas a ferro e fogo e praticamente impostas de forma sutil a todos os cidadãos através de um “lobby fundamentalista” crescente. Assim, o debate de leis em favor da liberdade de decisão das mulheres quanto ao aborto e aquelas em favor dos direitos de minorias como o “povo de santo” (praticantes de religiões afrobrasileiras) e os homossexuais acabam virando mote para batalhas apocalípticas na mídia, regadas a sórdidos argumentos de “ameaça à família”, “permissão de práticas diabólicas”, “institucionalização da pedofilia” e “conversão à iniqüidade”, propagados principalmente por pastores pentecostais “podres de ricos” (não há como definir melhor!) – e não falo em riqueza espiritual – objetivando unir os evangélicos nesta “cruzada contra o Diabo”, bem como confundir os brasileiros de outras religiões.

O pior de tudo, misto de lástima, vergonha e constrangimento para todos os cidadãos brasileiros, é termos que assistir os argumentos patéticos dos dois candidatos a presidente no segundo turno: nenhum comprometimento real e explícito com a laicidade do estado, com os direitos dos homossexuais, com o combate à homofobia que vem especialmente de DENTRO das Igrejas fundamentalistas e, pelo contrário, termos que ver às claras todos os tipos de conchavos com pastores demagogos, visitas a eventos cristãos (incluindo católicos) com uma “devoção” de cortar o coração (eu prefiro chamar isso de “curtir com a cara de Deus”) saída sabe-se lá de onde… A vergonha é tanta e tão explícita que nem as ONGs LGBT, geralmente “cabresteadas” por suas ligações partidárias (quase) veladas (pois, só não as percebe quem não quer), tiveram como evitar de se pronunciar em cartas abertas, condenando o ataque aos direitos LGBT e ao laicismo do Estado.

Alguém que aceite o argumento de que a aprovação da união civil gay e a aprovação da lei contra a homofobia vá “acabar com a família” e colocar na cadeia qualquer um que pense diferente da comunidade gay é um sinal de ignorância ou de má fé. Pior, isso pode acabar mal e incitar ações violentas em algum grau nos momentos cruciais das aprovações de ambas as leis, por parte dos dois lados. Se argumentos como “fim da família” e “onda de prisões perpetradas por uma patrulha gay” (argumentos patéticos não têm limites neste Brasil) fossem verdadeiros, isso já teria ocorrido em todos os países que aprovaram a união civil gay e leis contra a homofobia. Todos sabemos que nada disso ocorreu na Suécia, na Holanda, nem em nenhum outro. A Argentina, décadas à frente do Brasil nestas questões, também não corre esse risco.
É interessante ambos os candidatos fecharem “convênios” com líderes religiosos homofóbicos, quando o artigo 19 da Constituição diz: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou MANTER COM ELES OU SEUS REPRESENTANTES RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA OU ALIANÇA, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse PÚBLICO.” Interesse público, não eleitoreiro!!! Este artigo constitucional é o que define nosso Estado como laico.

A grande verdade é que os fundamentalistas religiosos em todo o mundo, sejam no Brasil, EUA ou nas repúblicas islâmicas, cada um com um grau maior ou menor de violência, consideram os gays como cidadãos de segunda classe, aberrações da natureza (Deus não os teria criado?) e não merecedores de quaisquer direitos de expressão. Para eles, os gays não podem se reunir, se organizar, se casar entre si, ter direito a herança, adotar crianças, emprego digno em casas e empresas de cristãos e sequer reclamar quando são xingados por quem não lhes aceite como nasceram. Os mais radicais querem eliminar os gays “à moda Hitler” (aliás, muitos gays morreram nos campos de concentração e foram hostilizados por nazistas e judeus!), enquanto os que se consideram mais “amorosos” querem “curar” os gays de algo que não é uma doença. Ou seja, querem uma lavagem cerebral para manter as aparências. Esse é o pensamento (já não mais velado) de Malafaia, Macedo, Dadeus Grings e muitos outros fundamentalistas por aí. Estamos nos aproximando de um conflito fora de época com as forças fundamentalistas e homofóbicas neste país? Será um “stonewall” atrasado? Esperamos que não se chegue a tanto, mas uma coisa podemos “profetizar”: a comunidade gay brasileira conquistou muito mais visibilidade e vários direitos civis nestes últimos vinte anos para assistir calada a uma eventual política de retrocesso propagada por religiosos medievos aliados a políticos inescrupulosos e sem apreço pela vida humana. Contra uma “bancada evangélica” temos já uma nascente “bancada gay”, que foi muito reforçada nestas recentes eleições pela aprovação no pleito de vários candidatos homossexuais e muitos outros que podemos chamar de “simpatizantes”, geralmente deputados ligados aos direitos humanos.

Os últimos cidadãos considerados de segunda classe que tivemos no Brasil foram os escravos negros, que conseguiram o reconhecimento legal de sua igualdade em 1888, cem anos antes de nossa atual Constituição. Antes disso, a Igreja apoiava o escravagismo e os Jesuítas se calavam sobre o assunto para não abalar o delicado status político do Século XIX. Afinal, o própria Bíblia cita os escravos e em nenhum momento condena o escravagismo. Por que os pastores não revelam isso a seus fiéis? Se, hoje não existem mais escravos não será porque a consciência da humanidade se transformou? Os religiosos não se adaptaram a isso também? Por que com os gays isso será diferente quando o preconceito acabar? Contudo, reflita-se, com o fim da escravidão acabou o preconceito contra os negros?…

Não somos cidadãos de segunda classe e não precisamos de uma Isabel para nossa alforria porque os tempos são outros. Podemos nos organizar e exigir que a lei seja igual para todos. Podemos exigir respeito e segurança. Podemos exigir tratamento digno e humano. Podemos, devemos e vamos exigir todos os direitos facultados aos seres humanos, cidadãos e contribuintes de uma nação livre, laica e soberana. Guardem estas palavras todos aqueles que estão acostumados a demonizar os gays para esconder a sua própria hipocrisia religiosa que não tem escrúpulos na hora de colocar na boca de Deus todos os impropérios contra a vida humana e a liberdade. Guardem estas palavras também aqueles acostumados a usar os gays como massa de manobra eleitoral, prometendo muito mais do que realmente estão dispostos a fazer por uma comunidade que, ainda que minoria, é sabidamente culta, politicamente decidida, com boa escolaridade, tem suas próprias opiniões e não se vende por ninharias ou “bolsas”, nem por sorrisos marqueteiros no horário eleitoral. Se isso é ser cidadão de segunda classe… não é à toa que países como Suécia e Holanda têm tão elevada qualidade de vida…